Vírus avança e o mercado também
O mercado financeiro continua ignorando os números da pandemia de coronavírus, que registrou ontem um recorde diário de casos globais, com mais de 230 mil notificações, superando a marca histórica de apenas dois dias antes. Os investidores mantêm o otimismo em relação à recuperação econômica, com o início da temporada de balanços nos Estados Unidos podendo fornecer mais pistas sobre o impacto da covid-19 no desempenho das empresas.
A safra de resultados corporativos em Wall Street é apenas um dos destaques da agenda econômica desta semana, que está carregada no exterior. O foco está na China, que divulga uma série de indicadores de primeira grandeza, entre eles os números do Produto Interno Bruto (PIB) no trimestre passado na virada de quarta para quinta-feira, além dos dados de junho da balança comercial, já hoje à noite (leia mais abaixo).
E é a perspectiva de retomada da atividade na China, após identificar o primeiro surto de coronavírus no início deste ano, que sustenta o apetite por risco lá fora, com os investidores alimentando projeções otimistas sobre a melhora da economia global. A Bolsa de Tóquio liderou os ganhos na Ásia, ao subir mais de 2%, enquanto Xangai avançou 1,8% e Hong Kong teve leve alta de 0,2%.
No Ocidente, o sinal positivo também prevalece nas bolsas, com o otimismo em relação à temporada de balanços ofuscando o aumento de casos de coronavírus nos EUA. Durante o fim de semana, o país registrou mais de 60 mil novos casos diários da doença, um recorde, sendo que a Flórida atingiu o maior número de infecções por dia, de 15 mil - o que supera o recorde diário até então de Nova York (12 mil). Quase 40 estados norte-americanos tiveram aumento nos casos de coronavírus nos últimos 14 dias.
Algumas regiões dos EUA estão retomando as medidas de bloqueio (shutdown), com empresas interrompendo a atividade, ao mesmo tempo em que a circulação de pessoas diminui. Já no Brasil, o avanço da doença em direção à marca de 2 milhões de infectados não atrapalhou o Ibovespa de alcançar o nível psicológico dos 100 mil pontos ao final da semana passada, quatro meses após ter perdido esse patamar.
Tirando a prova
Embora o mercado financeiro tenha se descolado da economia real nos últimos meses, a temporada de balanços norte-americana, que começa nesta semana, e a diluição dos estímulos fiscais por parte dos governos de países desenvolvidos podem dar um choque de realidade aos investidores, ficando mais sensíveis à evolução da taxa de contágio por covid-19. O principal temor ainda é de reversão das medidas de reabertura da economia.
A dúvida quanto ao ritmo da atividade econômica neste segundo semestre ainda persiste, após os indicadores do último bimestre sugerirem uma retomada rápida e acelerada, sob a forma de “V”. Mas o avanço dos casos de coronavírus em alguns lugares após a flexibilização das medidas de isolamento social pode prejudicar essa recuperação, turvando o horizonte da economia global e tornando injustificável os preços dos ativos.
Ainda assim, o risco de um “fechamento” amplo e sincronizado das principais economias globais é limitado, e vai depender do aumento no número de fatalidades, sobretudo nos EUA. Por ora, a chance maior é de novas restrições à atividade em áreas localizadas, onde houver uma saturação do sistema de saúde. De qualquer forma, esse processo tende a atrasar a retomada econômica, limitando também a melhora dos mercados globais.
Semana tem PIB chinês, BCE e balanços nos EUA
Dados de atividade na China, nos EUA, na zona do euro e no Brasil estão em destaque na agenda econômica desta semana. Mas o foco, sem dúvida, está nos números do PIB chinês no segundo trimestre deste ano, que serão conhecidos na virada de quarta para quinta-feira, juntamente com o desempenho da indústria e do varejo no país em junho, além dos investimentos em ativos fixos.
E a expectativa de continuidade na recuperação da manufatura e do consumo na China somada à aceleração dos aportes em infraestrutura, após o impacto do coronavírus na economia, deve resultar em um crescimento do PIB do chinês no período ao redor de 3% em relação ao mesmo período do ano passado. No confronto trimestral, a expansão deve ser ainda maior, já que houve queda da atividade pela primeira vez na série histórica.
Hoje à noite, saem os dados da balança comercial chinesa em junho, que também devem mostrar uma melhora das exportações, à medida que várias economias do Ocidente foram reabertas após o combate à disseminação da covid-19. Aliás, os dois lados do Atlântico Norte também anunciam dados sobre a produção industrial, o comércio varejista e a inflação ao consumidor (CPI), a partir de amanhã.
Ainda na zona do euro, merece atenção a decisão de política monetária do Banco Central Europeu (BCE), na quinta-feira, que será seguida de uma entrevista coletiva da presidente da instituição, Christine Lagarde. Já no Brasil, o destaque fica apenas com o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), amanhã, referente ao mês de maio, lançando luz para o desempenho do PIB doméstico no segundo trimestre deste ano.
Além disso, tem início a safra de balanços nos EUA, com cerca de um terço das empresas listadas no S&P 500 divulgando seus resultados financeiros. E a única certeza é que o lucro no segundo trimestre deste ano foi muito ruim - o pior em mais de dez anos. A questão é saber se a orientação (guidance) dessas empresas corresponde às expectativas dos investidores, de recuperação do desempenho já neste terceiro trimestre.
Confira a seguir os principais destaques desta semana, dia a dia:
*Horários de Brasília
Segunda-feira: A semana no Brasil começa trazendo apenas as tradicionais publicações do dia, a saber, o relatório de mercado Focus, do Banco Central (8h25), e os dados parciais da balança comercial em julho (15h). No exterior, o calendário econômico está esvaziado durante o dia, o que desloca as atenções para os números da balança comercial na China no mês passado, à noite.
Terça-feira: A agenda econômica doméstica traz o IBC-Br referente ao mês de maio, enquanto nos EUA, sai o índice de preços ao consumidor (CPI) em junho. Na zona do euro, merecem atenção o desempenho da indústria em maio e o índice ZEW de sentimento econômico neste mês. Na safra de balanços, saem os resultados dos bancos Citigroup e JPMorgan.
Quarta-feira: O destaque da agenda será conhecido apenas no fim do dia, quando a China anuncia os números do Produto Interno Bruto (PIB) referente ao segundo trimestre deste ano, juntamente com os dados de junho da produção industrial, das vendas no varejo e dos investimentos em ativos fixos. Durante a manhã, no Brasil, sai o primeiro IGP do mês, o IGP-10, enquanto nos EUA merecem atenção o desempenho da indústria em junho, além do balanço do Goldman Sachs. Também será publicado o Livro Bege, do Federal Reserve.
Quinta-feira: O dia é de agenda novamente fraca no Brasil, enquanto no exterior o destaque fica com a decisão de política monetária do BCE, seguida de uma entrevista coletiva de Lagarde. Nos EUA, sai o desempenho do varejo em junho, bem como os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no país e os balanços dos bancos Bank of America, Morgan Stanley e da Netflix.
Sexta-feira: A semana chega ao fim com uma agenda econômica mais fraca. Por aqui, sai a segunda prévia deste mês do IGP-M, enquanto na zona do euro será conhecida a leitura final de junho do índice de preços ao consumidor (CPI). Nos EUA, saem dados do setor imobiliário, a prévia deste mês do índice de confiança do consumidor e o balanço do BlackRock.
*A partir de hoje e durante o mês de julho, a Bula do Mercado será semanal, publicada somente às segundas-feiras. Os textos voltam a ser diários em agosto.