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Tensão no ar


A queda-de-braço dos Estados Unidos com a segunda maior economia do mundo e com a segunda maior potência militar do planeta, respectivamente, China e Rússia, redobra a postura defensiva dos investidores, mantendo o mercado financeiro refém de uma alta volatilidade nos próximos meses. Hoje, porém, o movimento dos ativos de risco tende a ser lateral, por causa da pausa em Wall Street em respeito à morte do presidente Bush, o pai.

Mas nada faz tanto preço no mercado financeiro quanto uma guerra nuclear, em meio à decisão de Washington de suspender a participação dos EUA no tratado de armas nucleares, por causa de violações do governo russo aos termos do acordo. Washington deu um ultimato de 60 dias a Moscou para se esclarecer. As bolsas em Nova York aceleraram as perdas após a notícia e, no fim, encerraram o dia com quedas superiores a 3%, contagiando os demais ativos de risco, em especial os de países emergentes.

A incerteza em relação à Rússia somou-se às dúvidas sobre a trégua comercial com a China e ao achatamento da curva de juros norte-americana. Os investidores estão tentando assimilar a mensagem emitida pela inversão da curva de juros dos títulos norte-americanos (Treasuries), com o rendimento (yield) dos papéis mais curtos superando o dos mais longos.

O movimento, que não acontecia desde 2007, tem ao menos duas leitura. A mais óbvia é de que o achamento da curva mostra que o mercado financeiro está cada vez mais convicto no fim do ciclo de alta dos juros dos EUA pelo Federal Reserve - provavelmente em meados de 2019, com a autoridade monetária começando a cortar a taxa básica já em 2020.

Isso porque a segunda leitura é de que o movimento da curva de juros pode estar indicando uma desaceleração econômica iminente nos EUA - quiçá uma recessão não só norte-americana, mas também global. Diante dessa perspectiva, o Fed poderia, portanto, subir menos que o previsto os juros no ano que vem e, então, passar a lançar estímulos à atividade.

Os dados do relatório oficial de emprego nos EUA (payroll), na sexta-feira, podem reforçar a leitura inicial, de que o plano de voo do Fed para 2019 será alterado, totalizando menos do que as três altas previstas para o ano que vem. Hoje, porém, os mercados em Wall Street não funcionam neste Dia Nacional de Luto, pela morte de um ex-presidente.

Com isso, os indicadores econômicos dos EUA previstos para esta quarta-feira foram adiados para amanhã. Portanto, não serão divulgados hoje a pesquisa da ADP sobre a criação de postos de trabalho no setor privado do país em novembro nem os dados semanais sobre os estoques norte-americanos de petróleo bruto e derivados.

Também eram esperados números sobre o desempenho da atividade no setor de serviços no mês passado. Da mesma forma, estão cancelados os eventos do dia envolvendo o Federal Reserve - entre eles, o depoimento do presidente do Fed, Jerome Powell, no Congresso, que agora está sem data definida. Já o Livro Bege deve ser publicado só na quinta-feira.

Nesta manhã, porém, a notícia de que a China se comprometeu a implementar rapidamente algumas medidas no comércio tentam trazer algum alívio aos negócios no exterior. O Ministério do Comércio chinês disse que as negociações comerciais seguirão com base em um cronograma e que executará rapidamente os itens onde houver consenso.

Mas o estrago em Nova York ontem ainda impactou as bolsas asiáticas, com as perdas lideradas em Hong Kong (-1,6%), após o maior recuo desde meados de outubro em Wall Street. As bolsas europeias também caminham para uma abertura no vermelho, também ecoando as fortes perdas da véspera das praças norte-americanas.

Já o dólar avança, apesar do recuo do yield do título dos EUA de 10 anos (T-note) cair a 2,91%, ficando menos de 10 pontos acima do rendimento projetado pelo papel de dois anos (T-bill). O mesmo movimento é observado na curva de juros dos bônus japoneses. Entre as moedas, destaque para o recuo do dólar australiano, após o crescimento econômico menor. Nas commodities, o petróleo e o metais básicos estão em baixa.

Diante da pausa nos EUA, o foco no exterior se volta, então, para a agenda econômica na Europa e o destaque por lá fica com o discurso do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, logo cedo. Dados de atividade nos setores de serviços e do varejo na zona do euro serão conhecidos durante a manhã.

No Brasil, o calendário está mais fraco e traz apenas os números de novembro sobre a entrada e saída de dólares do país (12h30). Os dados devem confirmar uma forte saída de recursos estrangeiros do país, principalmente pelo lado da conta financeira. De fato, os fluxos externos para Brasil têm decepcionado e impedido o mercado financeiro doméstico de ganhar ritmo.

O ceticismo dos “gringos” se contrasta com o otimismo dos investidores locais, que estão bem alocados para o risco Brasil, com uma aposta na alta da Bolsa e de queda dos juros, usando o dólar como proteção (hedge) dessa estratégia. Já os estrangeiros estão de fora, à espera de sinais de progresso do novo governo sobre as reformas estruturais e o ajuste fiscal.

Além disso, tradicionalmente o período de fim de ano é marcado pela saída de recursos externos, com muitas empresas estrangeiras remetendo lucros e dividendos a suas matrizes no exterior. Esses fatores, somados, acabam sustentando o dólar acima da faixa de R$ 3,80, reduzindo o alívio vindo da conta comercial, em meio aos superávits da balança brasileira.

Percebe-se, portanto, certa falta de interesse dos investidores estrangeiros pelo Brasil, o que acaba por contaminar o otimismo dos investidores locais e restringe o comportamento dos ativos locais, deixando-os com uma tendência lateral durante o período de transição do governo e até que sejam apresentadas soluções para superar a crise fiscal.

A principal dúvida é se o novo modo de articulação política adotado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, irá funcionar ou não. O principal ponto de preocupação é se haverá apoio do Congresso à agenda de reformas estruturais e se as medidas serão capazes de contornar o rombo das contas públicas.

Os sinais de “briga política” em Brasília, em meio às dificuldades de votação do projeto de lei da cessão onerosa no Senado e ao discurso ainda na defensiva da equipe de transição em relação à reforma da Previdência - que não deve ser o primeiro ato da nova gestão - e elevam a cautela com as questões relacionadas ao fiscal.

A declaração de Bolsonaro ontem, de que a proposta de mudanças nas regras para aposentadoria deve ser “fatiada” pode não agradar. A ideia seria começar a reforma pelo aumento da idade mínima, em dois anos para todos e mantendo a diferença entre homens e mulheres.

Segundo o presidente eleito, a estratégia será usada de modo a garantir chances de aprovação entre deputados e senadores. Porém, os investidores sabem que para contornar a trajetória da dívida pública é necessário uma reforma mais ambiciosa - e não algo cortado em pedaços e servido aos poucos.

Mesmo assim, o governo eleito ofereceu poucos detalhes sobre a reforma que pretende promover na Previdência - e que pode ter difícil aceitação no Congresso. Com isso, na ausência de Nova York hoje, o mercado brasileiro pode reajustar o foco para os desafios fiscais e legislativos que o novo governo terá de enfrentar a partir de janeiro de 2019.

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