STF cobra a conta
É comovente a cara-de-pau dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) ao incluírem na proposta de orçamento para 2019 um pedido de reajuste de 16,38% - “modestíssimo”, nas palavras de Ricardo Lewandowski, autor da proposta de achaque à sociedade.
A falta de contato desses juízes – solenemente chamados de “ministros” pela maior parte da imprensa – com a realidade dos brasileiros é tamanha que esses ilustres magistrados são incapazes de conviver com a defasagem salarial dos últimos quatro anos, nos quais seus vencimentos mensais ficaram estagnados em modestíssimos R$ 33,7 mil reais.
Com o índice de reajuste pedido, o escárnio dos nobres justiceiros contra os brasileiros de baixo passará a menos modestos R$ 39 mil. Por mês, claro.
O problema não é o salário em si, já que todo trabalho deveria ser correta e justamente remunerado, mas – primeiro – o fato de se tratar de uma decisão em causa própria com recursos públicos e – segundo, mas não menos importante – o efeito-cascata do reajuste. Tem ainda a questão do tal “ajuste fiscal”, uma escolha política da gangue de Michel Temer, mas que não pode ser descartada do contexto.
Como o salário dos “ministros” do STF é considerado o teto de remuneração no funcionalismo público, o reajuste do privilégio de ganhar pelo teto vai se espalhar feito rastilho de pólvora por toda a estrutura do Judiciário, além de aumentar os salários dos servidores de outros poderes.
A decisão deve ter um impacto adicional de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões sobre as contas públicas somente em 2019, segundo cálculos de diferentes economistas.
Nem seria tão problemático se o salário médio do trabalhador brasileiro fosse elevado, ou se, para ficar em apenas um exemplo, os tribunais espalhados pelo Brasil não estivessem se especializando em negar sistematicamente a professores das redes públicas de ensino os reajustes pleiteados na busca por salários mais dignos.
Alguém certamente vai levantar a bola de que o pedido de reajuste ainda pode ser barrado no Congresso ou vetado por Temer. Mas com tantos deputados, senadores, o próprio Temer e seus ministros enrolados em processos e falcatruas vai ser uma surpresa e tanto se alguém ousar se insurgir contra os todo-poderosos de toga.
Ao pedir o reajuste, o STF cobra a conta pelo serviço sujo prestado em anos recentes, e quem paga é uma sociedade usurpada física, política e moralmente em todas as minúcias do cotidiano, incapacitada de refletir e ir muito além de um “pode isso, Arnaldo?”.
A cobrança só faz reproduzir um sistema de castas no qual juízes, promotores, desembargadores e tantos outros ilustres integrantes do Poder Judiciário se refestelam em detrimento da coisa pública desde muito antes da proclamação de uma república de araque em nossas paragens. E enquanto interpretam a Constituição da maneira que melhor convém à preservação dos próprios interesses, seus integrantes agem mais como justiceiros do que como juízes.
No raciocínio perverso dessa casta, os privilégios deles são declarados “direitos”, enquanto os direitos que deveríamos ter como cidadãos são vendidos como “privilégio”. E lamentavelmente esse discurso é aceito e sustentado por uma parcela considerável da sociedade, suficiente para permitir que tais abusos sejam cometidos e perpetuados.
Exagero? Segundo os dados mais recentes do IBGE, referentes a 2017, enquanto os 10% mais ricos da população concentravam 43,3% de toda a renda no Brasil, o naco 1% mais rico dispunha de rendimento médio mensal de R$ 27.213.
Mesmo antes do pedido de reajuste, nem todo mundo que ganhava acima disso era juiz, mas todos os funcionários públicos com o privilégio de ganhar pelo teto por equiparação com o salário dos juízes pertenciam a um grupo ainda mais “seleto” do que esse frio 1% da pesquisa do IBGE.