Mercado num eterno déjà vu
Ingerência política de Bolsonaro na Petrobras desagrada mercado financeiro e faz lembrar críticas ao governo Dilma, ao mesmo tempo em que atende demanda de eleitorado do presidente e põe nas mãos do Centrão decisão sobre o auxílio emergencial
A última semana de fevereiro marca também o fim de um ciclo da Bula do Mercado, que encerra as atividades nesta sexta-feira, por tempo indeterminado. Mas é interessante notar como depois de seis anos de publicações diárias sobre as notícias que movimentam o mercado financeiro, o Brasil vive um eterno déjà vu, com os investidores presos no limbo, com a certeza de que já viram isso antes.
A ingerência política do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras lembra as críticas ao governo Dilma e faz ser tão atual qualquer resumo matinal publicado em 2015. À época, a defasagem de preços dos combustíveis em relação ao praticado no exterior resultou, já na gestão Temer, na criação de uma política ajustada à variação do dólar e do petróleo, de modo a evitar a quebra da empresa.
Mas os aumentos sucessivos, diários, da gasolina e do diesel desde então provocaram uma grande greve de caminhoneiros, que bloqueou o transporte de cargas, levando à escassez de alimentos e à paralisação de vários setores, com grandes prejuízos ao país. Agora, o governo Bolsonaro decidiu agir - não sob a égide de evitar um novo desastre, mas sim para agradar parte de seu eleitorado, com o presidente cada vez mais de olho em 2022.
"É preciso olhar o investidor, mas também o brasileiro" afirmou o general da reserva Joaquim Silva e Luna. Diretor-geral de Itaipu Binacional, o nome dele ainda precisa ser aprovado pelo Conselho da Petobras, que se reúne amanhã. Mas soa estranho o indicado para comandar a estatal petrolífera falar que uma companhia de capital aberto precisa enxergar "questões sociais".
Ao menos foi assim, alguns anos atrás. E aos olhos do investidor estrangeiro, continua sendo assim. Tanto que os recibos de ações (ADRs) da Petrobras negociados em Nova York despencaram quase 10% na sexta-feira, no after-hours, após o anúncio do presidente. Os papéis da empresa na Bolsa brasileira devem pressionar o Ibovespa, com reflexos nos demais ativos domésticos, em especial as empresas estatais. Ainda mais após Bolsonaro personificar de vez a presidenta e dizer que vai “meter o dedo na energia elétrica também”.
Mas o episódio ao final da semana passada praticamente pavimenta o caminho para uma subida da Selic no mês que vem. As apostas de aumento da taxa básica de juros já vinham ganhando força e na última sexta-feira essa tendência foi reforçada. Afinal, se a política de preços da Petrobras leva em conta as variações do petróleo - que segue incrustado em US$ 60 por barril, mas com tendência de alta - e do dólar; só o fim da era de juro real negativo por aqui é que pode conter a escalada da moeda norte-americana rumo a R$ 6,00.
Quem pode mais
Bolsonaro nega que houve interferência na Petrobras, mas com o país ainda assolado pela pandemia e sem doses de vacina suficientes para imunizar a população, dizer que a troca de comando na companhia é uma busca de soluções para os fatores que têm impacto social é incoerente - para dizer o mínimo. Ainda mais em tempos em que o feijão com arroz está bem mais salgado, segundo o IPCA. Se vier acompanhado de carne então...
O presidente sinalizou que vem mais por aí, mas ele não deve intervir nos preços dos alimentos, pois o agronegócio é outra fatia importante do eleitorado. Segundo ele, pode haver novas trocas nesta semana de "peças que não estão dando certo". E sabe-se que ainda é preciso pagar a conta com o Centrão.
A votação esmagadora em plenário, com 364 votos a favor da manutenção da prisão de Daniel Silveira, membro da tropa de choque bolsonarista, mostrou a força do Centrão. E para continuar tendo o bloco de partidos como aliado, mantendo na gaveta os pedidos de impeachment, o Executivo tem de manter a "velha política" funcionando, liberando emendas e concedendo cargos em troca de votos.
E as cobranças virão caso a caso. Talvez, então, fossem essas mudanças (ministeriais) às quais Bolsonaro se referia. Afinal, a entrega do Ministério da Cidadania não dá nem pro cheiro. Nesse toma lá, dá cá, a dinâmica da máquina pública é fundamental, o que esvazia as chances de privatizações - principalmente da Eletrobras.
Seja como for, o caso Daniel sai de cena e abre espaço para a pauta do governo avançar no Congresso. Mas o Centrão já mostrou quem manda e fica claro também que é o Legislativo que irá definir como será a nova rodada do auxílio emergencial. Detalhes sobre o valor e o total de parcelas seguem em aberto, bem como se o "teto de gastos" será mantido ou se a cláusula da calamidade será acionada.
Mas tudo isso só será conhecido em março. Primeiro, o Senado precisa votar a chamada PEC emergencial, que autoriza o governo a disparar gatilhos para reduzir as despesas, caso os gastos correntes sejam custeados por empréstimos. O texto também prevê que a regra de ouro seja descumprida. A votação na Casa está prevista para quinta-feira.
Outros itens de destaque no Brasil incluem a prévia de fevereiro da inflação oficial (IPCA-15), na quarta-feira, dados sobre o desemprego (Pnad) ao final de 2020, na sexta-feira, além de indicadores sobre a confiança do setor privado neste mês, ao longo da semana.
O medo da inflação
Enquanto isso, lá fora, os investidores continuam debruçados sobre o tema da "reflação", que deve continuar inflando os ativos globais - entre eles, o petróleo - até que alguma bolha estoure. Os sinais de que a inflação nos Estados Unidos está surgindo, diante dos estímulos monetários e fiscais para impulsionar a demanda, são uma ameaça às ações, com as expectativas de alta dos preços ao consumidor minando o lucro das empresas.
Ainda mais com o Federal Reserve indicando que deve manter a taxa de juros norte-americana perto de zero até 2023, apoiando novos estímulos fiscais. Tal prognóstico deve ser reiterado pelo presidente do Fed, Jerome Powell - que depõe no Senado, amanhã, e na Câmara, no dia seguinte - tendo o aval do presidente dos EUA, Joe Biden, que profere o famoso discurso sobre o estado da união, à zero hora de quarta-feira.
Hoje é a vez da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, falar. Já na agenda de indicadores econômicos, destaque para a terceira e última leitura do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no quarto trimestre do ano passado e no acumulado de 2020, na quinta-feira. Um dia depois, saem os dados sobre a renda pessoal e os gastos com consumo dos norte-americanos.
Portanto, a sensação é de que a inflação está aumentando, com a taxa média de 10 anos no nível mais alto em cinco anos, assim como os temores dos investidores, o que é refletido na queda mais acelerada dos índices futuros das bolsas de Nova York nesta manhã, de até 1%. Esse desempenho contaminou o pregão na Ásia, onde Xangai e Hong Kong lideraram as perdas, imprimindo um sinal negativo também na Europa.
Ao mesmo tempo, a colossal liquidez global continua reinando soberana nos mercados, alimentando o apetite por risco, em meio à perspectiva de melhor crescimento econômico. Com isso, a bola da vez são as commodities, com os metais básicos conduzindo o avanço. O cobre atingiu o nível mais alto em nove anos, estimulando o salto do níquel, enquanto o petróleo continua testando a faixa de US$ 60 por barril.
O movimento se dá a despeito do fortalecimento do dólar, que ganha terreno em relação às moedas rivais de países desenvolvidos e correlacionadas às commodities, em meio ao avanço no rendimento (yield) do título dos EUA de 10 anos (T-note), que volta a se aproximar da faixa de 1,4%, no valor mais alto em cerca de um ano. Já o Bitcoin alcançou outro recorde durante o fim de semana.
Diante desse ambiente externo negativo, a pressão sobre os negócios locais deve ser potencializada, com o cenário internacional não deixando esquecer os problemas internos.
*Comunicamos que, por motivo de força maior, A Bula do Mercado deixará de ser publicada a partir de março, por tempo indeterminado. Agradecemos pelos seis anos de apoio.