Sem trégua no mercado
- Olívia Bulla
- há 1 dia
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O mercado financeiro quer acreditar que o recuo de Donald Trump por um período de 90 dias na imposição das tarifas recíprocas ao mundo é uma trégua. O salto das bolsas de Nova York ontem logo após o anúncio de que a taxação será de apenas 10% refletiu a euforia dos investidores. As praças na Europa e na Ásia sobem hoje pelo mesmo motivo.
Porém, o fato de a China ter ficado de fora desse bom gesto da Casa Branca esclarece ao menos duas coisas (lindas?). A primeira é que Trump repete a tática “morde-assopra” já adotada em seu primeiro mandato. Ou seja, a postura inicialmente dura do presidente dos Estados Unidos é apenas uma estratégia para chamar a atenção. “Na hora H”, ele cede.
A segunda é que, obviamente, a guerra comercial está longe do fim. As perdas aceleradas dos futuros dos índices acionários norte-americanos nesta manhã deixam claro que foi apenas um alívio passageiro. Tivesse, de fato, encerrado a disputa no comércio global, o movimento da véspera teria continuidade hoje - mesmo que em menor intensidade.
Xi, meu amigo
A atenção volta, então, para a China. O próprio Trump não poupou elogios ao líder chinês Xi Jinping. Trump disse que Xi é “uma das pessoas mais inteligentes do mundo”, com quem disse ter “excelente relação” e esperar dele um telefonema para chegarem a um acordo “muito bom” para os dois países.
Nada impede de que o telefone no Salão Oval irá tocar. Não é assim que os chineses “perdem a face”. Mas os discursos oficiais de lideranças chinesas, incluindo o próprio Xi, é de que a China não irá ceder. O Ministério das Relações Exteriores do país invocou até a declaração do presidente Mao em resposta à intimidação tarifária dos EUA.
“Não importa quanto tempo esta guerra dure, nunca desistiremos. Lutaremos até a vitória completa”, disse o líder revolucionário em discurso sobre “A Guerra de Resistência à Agressão dos EUA e Ajuda à Coreia” (1950-1953). Também circula por aí um discurso em que o Xi sugere que a economia chinesa “não é um lago, mas um oceano”.
Na comparação, Xi enfatiza a resiliência e a base sólida da segunda maior economia do mundo. Não se trata mais daquele país que vendia produtos (e mão de obra) baratos para o mundo com a inscrição “Made in China”. Agora, trata-se do líder na corrida pela inovação tecnológica.
Assim, os riscos e desafios não vão alterar as perspectivas positivas de longo prazo da economia chinesa, baseada em fundamentos. “Depois de inúmeras tempestades, o oceano ainda está lá”, concluiu o atual líder chinês. Acima de tudo, as palavras de Xi mostram ao povo chinês e à comunidade internacional como a China vai lidar com o desafio tarifário.
Fogo amigo
Portanto, não é só porque Trump recuou que a China irá ceder. Até porque o recuo da Casa Branca foi tácito e excluiu um dos maiores parceiros comerciais dos EUA do acordo. Mais que isso, Trump voltou a aumentar as tarifas contra os produtos chineses importados ao país, agora em 125%.
É preciso deixar claro que Trump cedeu porque já estava sendo pressionado por uma crise interna, que o deixou isolado, após rusgas até com o aliado Elon Musk. Bill Ackman, que financiou parte da campanha de Trump, também mandou avisar a perda de confiança dos empresários dos EUA. Ou seja, a liderança do republicano já começava a ser ameaçada.
Mas o que pegou mesmo foi o recado dado pelo mercado de títulos do Tesouro dos EUA. O gestor Mohamed El-Erian disse que foram as Treasuries que convenceram Trump a recuar no tarifaço. Adivinha quem foi o responsável pelo salto das taxas de 3,85% para 4,20% em um intervalo de poucos dias?
Segundo a imprensa internacional, a China vendeu US$ 50 bilhões em Treasuries das suas reservas internacionais, disparando sua "bomba atômica financeira". Vale lembrar que a China é a segunda maior detentora do mundo de Treasuries, com cerca de US$ 750 bilhões, atrás apenas do Japão. Trata-se de uma arma poderosa nas mãos de alvos da Casa Branca.