Recalculando a Rota
A véspera de feriado no Brasil deve ser marcada pela cautela redobrada, uma vez que as comemorações pela proclamação da República, amanhã, espremem o pregão da sexta-feira com o fim de semana, sendo que uma nova pausa em algumas cidades - entre elas, São Paulo - enxuga a liquidez dos negócios até a segunda-feira que vem. Enquanto isso, o mundo segue funcionando a pleno vapor, dando cada vez mais sinais de que está entrando em correção.
O derretimento nos preços do barril do petróleo, que se afasta cada vez mais da marca de US$ 60, atingiu em cheio ontem as moedas correlacionadas à commodity e as ações de empresas produtoras e exportadoras, dando sinais de contágio do mercado de baixa (bear market) entre bolsas e câmbio. Nesta manhã, o contrato do tipo WTI segue em queda, cotado ao redor de US$ 55, acumulando perdas de quase 30% após cair um recorde de 12 sessões.
Já os índices futuros das bolsas de Nova York estão na linha d’água, após uma sessão indefinida na Ásia, onde Xangai (-0,9%) e Hong Kong (-0,4%) caíram, refletindo dados mistos de atividade na China, enquanto Tóquio teve leve alta (+0,2%). Em outubro, as vendas no varejo chinês cresceram no menor ritmo em cinco meses, em 8,6%, enquanto o crescimento da indústria e do investimento em ativos fixos acelerou.
Em setembro, as vendas no comércio varejista na China avançaram 9,2% e a previsão era de manutenção do ritmo de alta. Já a produção industrial chinesa teve alta de 5,9% no mês passado, acelerando-se em relação ao aumento de 5,8% no mês anterior e contrariando a previsão de perda de tração a 5,7%. Já os investimentos não-rurais no país acumulam alta de 5,7% no ano até outubro, superando a previsão de +5,5%.
Na Europa, as principais bolsas caminham para uma abertura sem rumo único, apesar do otimismo com um acordo entre a União Europeia e o Reino Unido sobre o Brexit. A libra esterlina se estabiliza em relação ao dólar, ao passo que o euro segue pressionado pelas incertezas fiscais envolvendo a Itália. A moeda norte-americana é negociada nos maiores níveis em 18 meses, em meio ao ciclo de alta dos juros norte-americanos.
O foco se volta para o discurso do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, hoje à noite. A expectativa é de que Jay possa acalmar as preocupações dos investidores com o fato de o Banco Central dos Estados Unidos estar levando longe demais o processo de aperto monetário.
A agenda econômica segue como destaque no exterior, onde sai a inflação ao consumidor norte-americano em outubro (11h30). A previsão é de aceleração na alta dos preços no varejo, calibrando as apostas sobre o aumento gradual na taxa de juros nos EUA. Amanhã, feriado nacional, saem dados sobre a atividade no varejo e na indústria do país no mês passado.
No calendário doméstico, destaque para o desempenho do setor de serviços em setembro (9h). O resultado, somado aos números já conhecidos da indústria e do varejo no mesmo período, deve dar pistas sobre o desempenho da economia brasileira no trimestre passado. Antes, sai o primeiro IGP do mês, o IGP-10 (8h) e, depois, é a vez do fluxo cambial (12h30).
Os números do Banco Central neste início de novembro devem continuar mostrando uma saída dos investidores estrangeiros na conta financeira, com essas retiradas sendo amortecidas pelo ingresso de recursos externos vindo da balança comercial. Aparentemente, o que falta para um apetite dos “gringos” pelos ativos locais é um avanço na agenda do novo governo.
A frustração com a tentativa do governo eleito de antecipar a votação da reforma da Previdência para este ano - ou ao menos alguns pontos das novas regras para aposentadoria - e a falta de traquejo político da equipe de transição levam o investidor a adiar as apostas em relação ao Brasil, à espera de sinais firmes rumo ao ajuste das contas públicas.
Por ora, o que se vê são idas e vindas e “balões de ensaio” do presidente eleito Jair Bolsonaro e seu “time dos sonhos”, com o processo de tentativa e erro ajustando anúncios e decisões ao sabor da reação do público, promovendo correções de rumo. Ao que parece, o deputado escolhidos por mais de 57 milhões de votos estaria, agora, seu próprio programa de governo.
Só que, quanto mais tempo demorar para avançar em temas delicados - e urgentes - para recuperar a confiança, resgatando a trajetória de crescimento econômico sustentável, mais vulnerável a choques externos o mercado financeiro brasileiro pode ficar. Afinal, a volta do fluxo externo também depende do ritmo gradual de alta dos juros dos EUA.
O principal desafio do próximo governo será coordenar apoio no Congresso. E, para isso, o presidente eleito já deixou claro que espera a próxima composição no Legislativo, uma vez que a coordenação com o atual Poder ficou interditada. Nesse sentido é importante observar quem ficará no comando da Câmara e do Senado.
O capital político modesto, a maior fragmentação no Congresso e a menor distribuição de poder, via cargos e recursos, podem dificultar a articulação de apoio do governo eleito. Assim, uma agenda ambiciosa de reformas pode ter pouco espaço para avanço e a lua de mel do mercado com o governo Bolsonaro pode ser bem curta.
Hoje, Bolsonaro reúne-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pela manhã. Será uma oportunidade de diálogo, após o deputado reclamar que não houve nenhuma articulação por parte do novo governo e que não iria se pautar pelo que lê na imprensa. Depois, Bolsonaro recebe a visita de embaixadores de alguns países - mas não a Noruega - e conversa, por telefone, com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.