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Mercado vira a folhinha, mas crise não é página virada


Fevereiro começa com otimismo do mercado financeiro em relação às vacinas contra a covid-19 perdendo espaço para os impactos que a pandemia ainda causa na economia


Fevereiro começa com o mercado financeiro ainda tentando entender o que as perdas acumuladas em janeiro pelas bolsas mundo afora significam para o restante de 2021. Depois que o ano novo iniciou no embalo de dezembro, o ritmo dos negócios foi perdendo fôlego, semana a semana, com o otimismo dos investidores em relação às vacinas contra a covid-19 dando espaço à dura realidade que a pandemia ainda causa na economia global.

À medida que problemas de interrupção nas campanhas de vacinação, envolvendo a distribuição de imunizantes à população e a produção de novas doses em meio à falta de insumos, as expectativas de que os negócios com o exterior e as viagens internacionais voltassem ao normal foram se desfazendo. Ao mesmo tempo, a disseminação do coronavírus foi ganhando força, com novos picos de infecção em várias partes do mundo.

Com isso, quem aplicou em dólar se deu bem em janeiro, com valorização de 5%, enquanto o Ibovespa caiu pouco mais de 3% - percentual que, somado ao recuo do real no período, resulta em uma queda mensal em dólar de 8%. No exterior, os principais índices europeus cederam entre 3% e 4%, enquanto o S&P 500 perdeu 1%. Esse desempenho, alinhado à colossal liquidez monetária e fiscal, abriu espaço para especulação em algumas ações.

O caso da GameStop, replicado no IRB por aqui, é tão inusitado por ter ares de uma “luta de classes”, com os pequenos investidores organizando uma espécie de “motim” em fóruns de discussão pela internet tendo como alvo grandes investidores - os chamados ‘tubarões’ - sob o lema de que “‘sardinhas’ unidas, jamais serão vencidas!”. O manifesto antissistema expressa o sonho de que o mercado financeiro pode ser democrático e para todos.

Mas essa Ocupação de Wall Street - em alusão ao Occupy Wall Street que que se seguiu à crise de 2008 - pode não acabar bem. Muitos hedge funds - os ‘tubarões’ machucados pelas ‘sardinhas’ - sofreram bastante em janeiro e ainda vão precisar reduzir a chamada exposição bruta (gross exposure), que se refere ao grau de exposição de uma carteira, uma vez que a alavancagem (rentabilidade através do endividamento) desses players é alta.

Isso significa que o ajuste dos grandes investidores não acabou, o que pode provocar forte pressão vendedora nas ações mais detidas por hedge funds, obrigados a ‘desalavancar’ parte do portfólio para cobrir posições. Esses movimentos técnicos surpreendem em magnitude e velocidade. No caso brasileiro, destaque para o fato de a última semana de janeiro registrar as primeiras retiradas de capital estrangeiro da Bolsa neste ano.

O que vem por aí...

Agora que a ficha caiu, o foco dos mercados está na cena real. Após meses de descolamento, é preciso levar em conta os desafios à frente para calibrar as expectativas de rápida solução da pandemia. Há um longo caminho até que o coronavírus deixe de ser uma ameaça, dando a sensação de que as crises sanitária e econômica - além do risco fiscal no Brasil - devem demorar mais, elevando a cautela e a volatilidade.

O radar nesta semana por aqui se concentra na eleição para as presidências da Câmara e do Senado, a partir de hoje no Congresso Nacional. O presidente Jair Bolsonaro conta com a vitória de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente, para afastar o fantasma do impeachment e pôr em votação projetos da pauta conservadora, além de aprovar as reformas econômicas (tributária e administrativa) e reforçar programas sociais.

Tudo isso de modo a lançar as bases para a reeleição em 2022 e ficar mais quatro anos à frente do Palácio do Planalto. Para tanto, o presidente deve ampliar o espaço na Esplanada de legendas como Progressistas, PSD, PL e Republicanos, recriando alguns ministérios. Bolsonaro estaria disposto em abraçar a velha política que sempre criticou, liberando também dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares em troca de apoio.

A decisão do DEM de abandonar o bloco liderado pelo atual presidente, Rodrigo Maia, e ficar isento na disputa da Câmara fortalece a candidatura de Lira. Caso se confirmem as vitórias dele e de Pacheco, o mercado doméstico vai querer saber qual será o próximo passo no Congresso: voltar à pauta do ajuste fiscal ou aprovar uma nova rodada do auxílio emergencial, seja encontrando espaço no Orçamento ou “furando” o “teto dos gastos”.

Outro evento de relevo é a greve nacional dos caminhoneiros, prometida para hoje por parte da categoria. A circulação da frota se mantém para garantir serviços essenciais, mas ainda que a paralisação seja menor que a observada no governo Temer, não se pode descartar risco de desabastecimento e maior adesão ao movimento. O aumento de impostos sobre o óleo diesel e a política de preços da Petrobras são os principais alvos.

Entre os indicadores econômicos, destaque apenas para a produção industrial brasileira em dezembro (e no acumulado de 2020), amanhã. A safra doméstica de balanços entra em cena, trazendo os resultados dos bancos Itaú, Santander e Bradesco, entre hoje e quarta-feira. Na sexta-feira, tem o IGP-DI de janeiro. Já no exterior, as atenções se dividem entre dados de atividade pelo mundo e sobre o emprego nos Estados Unidos.

Exterior em alta

Aliás, a China anunciou ontem que a recuperação da indústria perdeu força no início deste ano, com o índice oficial dos gerentes de compras (PMI) caindo a 51,3 em janeiro, de 51,9 em dezembro, ante previsão de recuo menor, a 51,6. O ritmo mais lento de crescimento da atividade nas fábricas reflete os vários surtos de coronavírus identificados no país. O setor de serviços também desacelerou, passando de 55,7 para 52,4, no período.

Já o dado calculado pelo Caixin apontou a mais lenta expansão da atividade industrial chinesa em sete meses, em meio à fraca demanda por exportações e também ao ressurgimento de casos domésticos de covid-19. O índice PMI da indústria calculado pela empresa, que é mais voltado aos pequenos fabricantes privados, caiu a 51,5 em janeiro, de 53,0 em dezembro, seguindo acima da linha divisória de 50 pelo nono mês seguido.

Mas as preocupações em torno da pandemia não impediram ganhos robustos na Ásia, liderados pela Bolsa de Hong Kong (+2,3%). Tóquio subiu 1,6% e Seul avançou 2,2%, enquanto Xangai teve alta moderada (+0,6%). O yuan chinês (renminbi) reagiu em queda aos indicadores econômicos, digerindo também a decisão do Banco Central local (PBoC) de injetar recursos no sistema financeiro, de modo a evitar um aperto da liquidez

Na Europa, a promessa da AstraZeneca de fornecer 9 milhões de doses adicionais da vacina contra covid-19 para os países do bloco (UE) refaz o mal-estar com o anúncio da semana passada, de que entregaria menos da metade dos lotes, e com atraso. A nova meta é disponibilizar 40 milhões de doses até março. Com isso, as principais bolsas da região abriram em alta, animadas pelos ganhos vindos do outro lado do Atlântico Norte.

Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram com ganhos firmes, apontando uma recuperação depois de registrar a pior semana e o pior mês desde outubro. Wall Street sinaliza uma retomada das compras, após as posições que foram espremidas (short squeeze) na semana passada, com as negociações voláteis em uma série de empresas fortemente vendidas gerando temores de uma bolha de ações.

Nos demais mercados, o petróleo avança, com o dólar medindo forças em relação às moedas rivais, enquanto o rendimento do título do Tesouro dos EUA de 10 anos (T-note) sobe, tentando flertar novamente com a faixa de 1,10%. Destaque ainda para a alta expressiva dos contratos futuros da prata, que sobe mais de 10%, com o metal tornando-se o mais recente foco da conversa em fóruns da internet.

Confira a seguir os principais destaques desta semana, dia a dia:

*Horários de Brasília

Segunda-feira: A semana começa com as tradicionais publicações domésticas, a saber, o relatório de mercado Focus (8h25), do Banco Central, e os dados de janeiro da balança comercial (15h). Lá fora, saem índices sobre o desempenho da indústria em janeiro na zona do euro, logo cedo, e nos EUA, por volta do meio-dia.

Terça-feira: Os números da produção industrial brasileira são o destaque da agenda local, enquanto o calendário norte-americano está esvaziado. Na zona do euro, sai a leitura preliminar do Produto Interno Bruto (PIB) referente ao quarto trimestre de 2020.

Quarta-feira: O calendário doméstico segue fraco, trazendo apenas os dados de janeiro sobre o fluxo cambial, enquanto no exterior as atenções se dividem entre números sobre o setor de serviços nos EUA e na zona do euro e a pesquisa ADP sobre o emprego no setor privado norte-americano.

Quinta-feira: A decisão de política monetária do Banco Central da Inglaterra (BoE), a primeira desde o Brexit, é o destaque do dia. Entre os indicadores, saem mais dados sobre o emprego nos EUA, referentes ao final da semana passada e ao trimestre passado.

Sexta-feira: O relatório oficial sobre o mercado de trabalho norte-americano (payroll) em janeiro concentra as atenções, trazendo números sobre a geração/fechamento de vagas e a taxa de desemprego no país. Por aqui, destaque para o IGP-DI do mês passado.


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