Guerra e paz
A guerra comercial segue em ponto de ebulição no mercado internacional, o que provoca duras perdas nas bolsas desde a Ásia até Nova York, com o presidente Donald Trump ameaçando os parceiros dos Estados Unidos. O tom negativo no exterior pode atrapalhar o alívio nos negócios locais com a retirada da pauta do recurso do ex-presidente Lula na Corte.
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de arquivar mais um pedido de liberdade de Lula ocorreu após o Tribunal da 4ª região (TRF-4) enviar o caso do ex-presidente para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O julgamento pela Segunda Turma da Corte estava marcado para amanhã, mas foi suspenso. Ainda é possível recorrer.
A notícia deve tirar um dos focos de tensão de curto prazo do mercado doméstico, uma vez que com o líder petista solto, abriria-se espaço para ele atuar como forte cabo eleitoral de um candidato considerado hostil a pautas como as reformas estruturais e o ajuste fiscal. Mas esse alívio deve ser passageiro, afinal a disputa presidencial segue indefinida e gerando incerteza.
Com isso, o radar se volta ao exterior, onde Trump passou o fim de semana no Twitter falando sobre a nova lei de imigração nos EUA e a imposição de barreiras ao comércio de mercadorias norte-americanas em outros países. O recado do líder da Casa Branca foi claro: derrubem as tarifas ou enfrentem consequências.
O alerta não foi apenas para a China, mas também para os aliados europeus, que prometeram retaliar na mesma moeda. O país asiático, aliás, também está buscando soluções internas e liberou US$ 100 bilhões aos bancos impulsionar os empréstimos às empresas. A medida, feita pelo Banco Central chinês (PBoC) via liberação de compulsório, entra em vigor no início de julho.
Ainda assim, as principais bolsas asiáticas registraram duras perdas, sendo que Xangai e Hong Kong foram destaques de baixa, com queda de mais de 1%. Esse comportamento negativo penaliza o início do pregão na Europa, impactada também pelo declínio acentuado dos índices futuros das bolsas de Nova York.
Nos demais mercados, o petróleo recua e juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos também, em meio à saída do risco de países emergentes, diante da escalada da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. O discurso de Trump é de que os EUA têm mais munição e que o comércio global deve ser justo - “e não apenas uma rua de mão única”.
Mas essa postura não é boa para ninguém. Nem mesmo para a América. O protecionismo de Trump pode agravar a desaceleração econômica esperada para o ano que vem nos EUA e aumentar as pressões inflacionárias aos norte-americanos. Isso se a retórica comercial permanecer intensa.
Aliás, a agenda econômica no exterior traz como destaque nesta última semana de junho a leitura final do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano nos três primeiros meses deste ano, na quinta-feira. Um dia depois, saem os dados sobre a renda pessoal e os gastos com consumo nos EUA em maio.
Hoje, serão conhecidos indicadores do setor imobiliário e, amanhã, sobre a confiança do consumidor no país. A zona do euro também anuncia dados sobre a confiança na economia, na quinta-feira, e sobre a inflação ao consumidor, na sexta-feira.
Nos dois lados do Atlântico Norte, os indicadores de preço devem mostrar dinâmica contida, com aceleração gradual, o que não altera a percepção atual em relação ao processo de normalização dos juros nessas regiões. Já na virada de sexta para sábado, a China divulga seus índices de atividade neste mês.
No Brasil, o Banco Central concentra as atenções, com publicações e atuações que devem agitar o mercado financeiro. Já nesta segunda-feira, a autoridade monetária vai oferecer US$ 3 bilhões em leilão de linha (venda de dólares com compromisso de recompra), sem abandonar a atuação via swap cambial, a fim de domar a taxa de câmbio.
Dessa vez, porém, a autoridade monetária não disse o montante de swaps que irá colocar à disposição do mercado, de modo a prover liquidez. Mas reiterou que não vê restrições para que o estoque de contratos que se equivalem à venda de dólares no mercado futuro exceda os volumes máximos atingidos no passado.
Esse fator de incerteza tende a deixar o mercado de câmbio ainda mais cauteloso, afastando os movimentos especulativos. Tal estratégia faz o real brasileiro sofrer um estresse bem menor do que o observado em moedas pares emergentes, como o peso mexicano, o rublo russo e o rand sul-africano.
A lira turca, que também aparece no ranking das moedas mais desvalorizadas neste ano em relação ao dólar, merece um parágrafo à parte. Isso porque os turcos foram ontem às urnas para eleger seus representantes e votaram pela permanência do presidente Recep Tayyip Erdogan, que já está há 15 anos no poder.
Agora, ele terá um novo mandato de cinco anos. Além disso, Erdogan manteve a maioria no Parlamento. Em reação à vitória, a lira turca ganhou terreno em relação ao dólar.
No próximo domingo, tem eleição no México e pode ser a primeira vez que a segunda maior economia da América Latina não escolha nenhum candidato dos tradicionais partidos PAN e PRI. Na liderança das pesquisas, com quase 50%, está o populista de esquerda AMLO, como é chamado Andrés Manuel López Obrador.
Para hoje, merece atenção a primeira publicação do BC da semana: o relatório Focus (8h25). Depois que a autoridade monetária deixou claro que só irá combater os impactos do dólar com alta dos juros caso haja um contágio na inflação, ganha importância as estimativas do mercado financeiro para o IPCA.
A dúvida é se os economistas chancelam a percepção de que há espaço para acomodar possíveis choques via dólar e manter o índice oficial de preços ao consumidor abaixo da meta neste e no próximo ano, sem precisar mexer na taxa Selic. Ainda mais após o resultado salgado da prévia da inflação (IPCA-15) em junho.
A expectativa é de que o repasse da depreciação cambial para os preços seja limitado pela falta de tração da economia. Aliás, enquanto as previsões para as taxas de inflação e de câmbio sobem, as estimativas para o crescimento do PIB caem, com os indicadores de atividade surpreendo para baixo e reforçando uma retomada mais gradual.
Tal dinâmica doméstica deve ser mais detalhada na ata da reunião deste mês do Comitê de Política Monetária (Copom), amanhã, e no Relatório Trimestral de Inflação (RTI), na quinta-feira. Em ambos os documentos, o BC terá a oportunidade de esclarecer o balanço de riscos considerado no momento e o que pode levar a uma piora adicional do cenário.
Entre os indicadores econômicos, destaque para o IGP-M de junho (quinta-feira) e para os índices de confiança do consumidor, da construção civil - ambos hoje (8h) - do comércio (quarta-feira) e da indústria (sexta-feira). Todos os segmentos devem apontar uma trajetória crescente de desconfiança, deixando para trás todo aquele otimismo de alguns meses atrás. Também são esperados os dados fiscais do governo, além da taxa de desemprego no país.