Cresce lista de focos de tensão
A lista de focos de tensão acompanhados pelo mercado financeiro tende a continuar impedindo um rali de fim de ano nesta reta final de 2018, redobrando a dose de volatilidade dos negócios e elevando a postura defensiva dos investidores em relação ao ativos de risco. E hoje essa lista ganhou um item a mais.
A prisão de um funcionário de alto escalão da chinesa Huawei no Canadá pode atrapalhar o progresso nas negociações comerciais entre Estados Unidos e China. As autoridades canadenses prenderam no sábado a diretora financeira da fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações, Meng Wanzhou, por supostamente violar as sanções contra o Irã.
A detenção foi feita em nome do governo dos EUA - para onde ela deve ser extraditada - mas a notícia só foi divulgada ontem à noite (manhã na China). Em reação, as principais bolsas asiáticas fecharam em queda, com perdas de quase 3% em Hong Kong, enquanto Xangai e Tóquio cederam mais de 1,5%. As ações do setor de tecnologia lideraram a baixa.
O impacto da prisão é grande porque Washington está tentando persuadir os países aliados a pararem de usar equipamentos da Huawei devido a temores de segurança tecnológica. Além disso, Meng é filha do fundador da gigante de telecomunicações, tida como uma das “empresas de estimação do governo chinês”.
Há, portanto, o risco de a China retaliar, interrompendo a trégua comercial com os EUA, que foi selada no mesmo dia da prisão de Meng. Por ora, Pequim reagiu apenas com indignação, exigindo que os dois países libertem a diretora financeira imediatamente. Para o governo chinês, a prisão da executiva é sem precedentes.
Em Nova York, os índices futuros das bolsas exibem queda acelerada, de mais de 1%, sendo que o CME Group acionou dispositivos de circuit breaker, de modo a evitar perdas maiores, interrompendo as negociações por causa da intensa volatilidade. As principais bolsas europeias também caminham para uma abertura no vermelho.
Nos demais mercados, o barril do petróleo tipo WTI caía a US$ 52, enquanto o do Brent era cotado na faixa de US$ 61, em meio à espera pela reunião do cartel de países produtores de petróleo (Opep) para decidir sobre cortes na produção da commodity. O dólar mede terreno em relação às moedas rivais, mas ganha força em relação às de países emergentes.
Os investidores reagem também aos demais itens da lista de preocupação, a começar pela frágil trégua comercial entre EUA e China, que se soma ao problema geopolítico da Casa Branca com Moscou sobre a questão nuclear. A lista também inclui os temores de desaceleração econômica global, surgidos após a inversão da curva de juros norte-americana.
O fenômeno, que não acontecia desde 2007, sempre antecedeu períodos de recessão da economia dos EUA. Porém, o comportamento dos títulos norte-americanos, com a redução do diferencial no rendimento (yield) entre os papéis de longo prazo e os de curto prazo, pode estar simplesmente atrelado ao fim do ciclo de alta dos juros pelo Federal Reserve e aos efeitos defasados da política monetária.
Seja como for, um item vai se somando ao outro e vai minando o apetite por ativos de risco, praticamente minando as chances de um rali de fim de ano. Com isso, a tendência para o mercado financeiro brasileiro é de que o dólar encerre 2018 mais próximo da faixa entre R$ 3,80 e R$ 3,85 do que da marca de R$ 3,70, enquanto o Ibovespa não deve alcançar os 90 mil pontos.
Por aqui, o noticiário político local tampouco está animador. Apesar do apoio do PSDB e do PR ao governo Bolsonaro, com os tucanos apoiando pautas comuns à própria agenda, a sugestão do presidente eleito de “fatiar” a reforma da Previdência desagradou. Afinal, os investidores esperam pela aprovação de novas regras para a aposentadoria ainda no primeiro ano de mandato, com uma proposta ambiciosa - e não mitigada.
Da mesma forma, também foi visto como um fator complicador a desistência da equipe econômica em chegar a um acordo com o governo atual sobre a distribuição de recursos oriundos do megaleilão das áreas do pré-sal, em meio ao embate no Senado sobre a votação do projeto de lei da cessão onerosa. Isso sem falar na abertura de inquérito contra o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Tais notícias elevaram a cautela do investidor quanto à aprovação de medidas no Congresso essenciais para combater o rombo das contas públicas a partir do próximo ano. O maior temor é de que a governabilidade de Jair Bolsonaro seja colocada em xeque, frustrando a tentativa de sanar o déficit fiscal e de colocar a economia brasileira na trajetória de um crescimento sustentável.
Por ora, o mercado financeiro brasileiro continua dando o benefício da dúvida ao governo eleito, apostando que Bolsonaro e sua equipe econômica, comandada por Paulo Guedes, irão entregar um ajuste fiscal crível e que conseguirá avançar com a agenda de reformas. Espera-se que quando assumir, o discurso pare de ‘achismos’ e parta para o pragmatismo.
Na agenda econômica do dia, o calendário esvaziado no Brasil nesta quinta-feira compensa a bateria de indicadores previstos nos EUA. A começar pelos dados que estavam programados para ontem e foram adiados para hoje: geração de emprego no setor privado (11h15); custo da mão de obra e produtividade no trimestre passado (11h30); atividade no setor de serviços (12h45 e 13) em novembro; estoques semanais de petróleo (13h30) e o Livro Bege (17h).
Também serão conhecidos hoje os pedidos semanais de auxílio-desemprego e o resultado da balança comercial em outubro, ambos às 11h30, além das encomendas às fábricas em outubro (15h). Ainda no exterior, merece atenção a reunião da Opep, em Viena, que deve selar um corte na produção de petróleo, em uma decisão a ser liderada por Arábia Saudita e Rússia.