Big techs X grandes teles: o novo contra o velho
Queda de braço entre gigantes de tecnologia e setor de telecom ofusca duelo maior
Não foi a Apple quem criou o smartphone. Nem a BlackBerry, mas sim a IBM, em 1992. Porém, o iPhone anunciado por Steve Jobs em 2007, quase dez anos após a invenção do teclado Qwerty em um dispositivo móvel, foi fundamental para potencializar o conceito de must-have gadgets.
Depois, vieram as redes sociais e os serviços de plataformas, seja no comércio eletrônico ou de vídeo sob demanda. De forma BEM resumida, foi assim que as empresas de tecnologia se transformaram em big techs.
Essas gigantes só nasceram por causa do backbone criado pelas empresas de telecomunicações décadas antes, interligando uma série de servidores de internet, distantes uns dos outros, a outro servidor principal. Portanto, a rede mundial de computadores nasce da ‘espinha dorsal’ do sistema de comunicação.
Só que, agora, a conta chegou. Em todo o mundo, a ideia é criar um imposto mínimo global de 15% sobre a renda das big techs, aplicando uma taxação única em cima do lucro das grandes empresas multinacionais por meio de um acordo global.
A estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - da qual o Brasil não faz parte - é de que essa medida resultaria em ganhos de receita fiscal em nível mundial de até US$ 220 bilhões.
No Brasil, o governo Lula e entidades do setor de telecom uniram forças na briga contra as big techs. Na pauta, estão quatro propostas de tributação das gigantes de tecnologia: o fair share; o imposto sobre a renda; um Cide do Jornalismo e a taxação de vídeo on demand.
Justiça cega
A opção mais “justa”, como o próprio nome indica, é o pagamento pelo uso da rede de telefonia. Ou seja, as empresas de tecnologia cujas plataformas usam mais a rede - como serviços de streaming e nuvem - devem pagar mais.
Afinal, as big techs são responsáveis por 80% do total do tráfego de dados, conforme dados da Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações (Feninfra). Porém, a legislação atual impede que as teles cobrem por esse uso, devido a conceitos como a neutralidade da rede.
Daí porque entidades ligadas às empresas do setor, como a própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), defendem o fair share.
“É urgente cobrar maior contribuição das big techs no Brasil para manutenção da qualidade das redes”
Vivien Mello Suruagy, presidente da Feninfra
Para ela, que também representa os setores de Call Center e Informática, as empresas desse ecossistema estão bancando, sozinhas, os investimentos necessários. Portanto, as empresas de telecom são a favor não só da taxação, mas também dos gastos com infraestrutura.
Segundo Vivien, as teles têm de investir em instalações e qualidade, o que gera desequilíbrio financeiro, concorrência desleal com as big techs e afeta os investimentos que seriam destinados ao aumento da conectividade em regiões onde as pessoas não conseguem utilizar a rede.
Queda de braço
A questão é que as big techs investem, sim, em infraestrutura de rede. Você já ouviu falar no Firmina? Não, não estou falando da Maria Firmina dos Reis, a primeira mulher romancista do Brasil, mas sim do cabo submarino gigante que conectará servidores do Google nos Estados Unidos com a América do Sul.
Aliás, o projeto teve início em 2021 e já está na fase final. Depois de sair da cidade de Myrtle Beach, na Carolina do Sul (EUA), o Firmina foi até Las Toninas, na Argentina, passando também por Punta del Este (Uruguai). O destino final é a cidade de Praia Grande, no litoral paulista, onde as instalações começaram no fim do ano passado.
Além do Firmina, o Google também é responsável por outros cabos internacionais que interligam cidades brasileiras, como o Monet, o Tanat e o Júnior (vide e clique na imagem abaixo).
Atualmente, o Brasil é conectado por vários cabos submarinos de diferentes donos - e não apenas operadoras de telecom. Dados da Analysys Mason de 2022 mostram que, no total, são 15 cabos já ativos - sem contar com o Firmina - sendo que algumas big techs também possuem seus cabos privados. É o caso de Amazon, Meta e Microsoft.
Combinados, esses pares de fibra óptica visam aumentar a capacidade de tráfego de internet no Brasil em 50%, além de reduzir a latência da velocidade em até 5% e elevar a banda disponível por usuário em quase 40%. No fim, o país terá uma internet mais rápida e, quem sabe, mais barata.
O veredicto
Ou seja, a discussão sobre a taxação das big techs está se sobrepondo a outra questão que é muito mais importante, e urgente. Trata-se da regulamentação das big techs.
A pauta tem tido mais avanço na União Europeia. A Lei de Mercados Digitais (DMA) entrou em vigor em março deste ano. O problema é que, na prática, a legislação fala mais dos direitos que os cerca de 45 milhões de consumidores do bloco europeu têm do que das responsabilidades das grandes produtoras de conteúdo digital.
Fato é que enquanto as empresas de comunicação - o que incluem as rádios e as emissoras de TV - cumprem uma série de exigência, as mídias digitais - o que inclui as big techs - não estão sujeitas às mesmas obrigações. O ponto-chave, porém, é o tipo de serviço que é oferecido.
Afinal, taxar as empresas de tecnologia por causa do uso de dados de aplicativos como Instagram, Facebook, WhatsApp, Chrome, YouTube, TikTok, entre outros, é praticamente o mesmo que querer cobrar das fabricantes de veículos elétricos pela instalação de pontos de recarga. E olha que muitas, como a BYD, fazem isso.
O que está em xeque, portanto, é o modelo de gestão e estratégia das empresas. O empreendedor In Hsieh afirma que é preciso pensar em uma nova filosofia corporativa que relaciona o uso da tecnologia e, principalmente, das redes - não apenas digitais, mas também de negócios.
O chinês, que participou da criação do Submarino e foi chefe de e-commerce da fabricante chinesa Xiaomi para América Latina, explica que se trata de um modelo de gestão que relaciona produtos tangíveis (como os smartphones) a um ecossistema de SuperApps.
“Nessa nova escola, constroi-se um ecossistema conectado. Inicialmente de comunicação e tecnologia, depois outros segmentos, como entretenimento, mobilidade, saúde etc.”
In Hsieh, empreendedor chinês, em postagem no Linkedin
Cada uma dessas verticais são lideradas por modelos de negócio escaláveis, disruptivos e repetíveis. Qualquer semelhança com startup unicórnio não é mera coincidência.
O problema é que os fundos que investem em empresas assim tiveram o pior início de ano desde 2020 no Brasil e vivem um "nova era" no mundo - ou seria a velha forma de pensar que precisa dar lugar ao novo?