Ajustes e cautela no fim do mês
O último dia de janeiro deve ser dedicado a ajustes no mercado financeiro, após as preocupações com o surto de coronavírus na China anular os ganhos acumulados pelos ativos de risco, que superaram a tensão geopolítica entre Estado Unidos e Irã no início do mês. Mas os investidores também devem redobrar a cautela hoje, em meio à expectativa pela volta dos negócios na Bolsa de Xangai na próxima segunda-feira.
A divulgação de indicadores econômicos já foi retomada na China e os dados oficiais sobre a atividade no país não trouxeram surpresas. O índice dos gerentes de compras (PMI) da indústria caiu a 50,0 em janeiro, de 50,2 em dezembro, interrompendo dois meses de alta e ficando em cima da marca que indica contração ou expansão. Já o PMI do setor de serviços chinês subiu a 54,1, de 53,5, no mesmo período.
No entanto, nenhum dos indicadores levou totalmente em consideração o surto de coronavírus que paralisou o país no fim do mês. Ainda assim, as bolsas da região Ásia-Pacífico se apoiaram nos números - e também em dados encorajadores vindos do Japão e da Coreia do Sul - para engatar uma sessão de recuperação. Tóquio liderou os ganhos (+1%), enquanto Sydney teve leve alta. Seul e Hong Kong acabaram sucumbindo.
Os investidores monitoram o noticiário sobre a infecção respiratória, que já matou mais de 200 na China, atingindo quase 10 mil pessoas. A província de Hubei, onde fica a cidade de Wuhan, epicentro da epidemia, contabiliza 5,8 mil casos apenas na região. Outros 19 países registram casos da doença. Ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o coronavírus é uma emergência de saúde pública de interesse global.
Ao mesmo tempo, a OMS não impôs restrições nem a viagens nem ao comércio com a China, o que acabou beneficiando as bolsas de Nova York e de São Paulo, na reta final do pregão de ontem. Nesta manhã, porém, os índices futuros em Wall Street amanheceram em baixa, deixando indefinida a abertura do pregão europeu, com os mercados flutuando ao sabor das notícias sobre o vírus. Já o petróleo sobe, enquanto o dólar cai.
BC refém
No Brasil, a política monetária e cambial praticada pelo Banco Central criou uma dinâmica ruim entre os ativos, tornando o BC refém do mercado doméstico. Os sucessivos cortes na nos juros básicos em 2019 reduziram a atratividade do diferencial entre as taxas praticadas no Brasil e em outros países, afastando o investidor estrangeiro e pressionando o dólar.
Com os “gringos” saindo de cena, os investidores locais (pessoa física e institucionais) assumiram o protagonismo no mercado doméstico, buscando maiores retornos em meio à nova era de juros baixos no Brasil. Esse movimento provocou uma grande migração de recursos da renda fixa para as ações, com a proteção (hedge) dessas operações no dólar.
Assim, as retiradas recordes de capital externo do país somadas ao hedge mais popular feito pelos locais contribuiu para uma valorização adicional do dólar. Esse movimento de fluxo combinado com a continuidade do ciclo de cortes na Selic - talvez ainda neste ano - e a falta de defesa do real colocou o BC em uma encruzilhada.
Afinal, se intervir agora no mercado de câmbio, às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), os investidores estarão certos de que a Selic vai cair a 4,25% em fevereiro, o que tende a retirar prêmios da curva de juros e, de quebra, depreciar um pouco mais o real. Se não agir, o dólar vai subir mais - o que não é bom para a Bolsa.
Com isso, os investidores estão não só forçando o BC a cortar mais os juros básicos como também estão chamando a autoridade monetária para o jogo no câmbio, visando a oferta de dólares das reservas para desmontar operações arriscadas na renda variável. Nessa queda-de-braço, o resultado pode ser mais depreciação cambial e mais venda de ações.
Atento a isso, o BC anunciou para hoje um leilão de linha de US$ 3 bilhões para rolagem de contratos. Nesse tipo de atuação, o BC “empresta” os dólares das reservas internacionais, que terão de ser devolvidos posteriormente. Mas esse “empréstimo” pode ser alongado. Por se tratar de rolagem, não há “dinheiro novo” no mercado e o BC se mantém neutro.
A operação foi anunciado logo após o dólar fechar no maior valor nominal desde a criação do Plano Real, colado à marca de R$ 4,26. Durante a sessão, a moeda norte-americana também flertou com o nível mais alto já registrado desde 1994, em torno de R$ 4,2770.
Agenda segue cheia
O calendário econômico segue carregado nesta sexta-feira, tanto no Brasil quanto no exterior. Aqui, o destaque fica com os dados do IBGE sobre o mercado de trabalho ao final do ano passado. A taxa de desocupação deve cair pela terceira vez seguida, a 11,0%, voltando aos níveis vistos pela última vez no início de 2016.
Ainda assim, o número de trabalhadores por conta própria deve seguir em nível recorde, aproximando-se da marca de 25 milhões de pessoas. Com isso, a renda média da população deve seguir estável, em pouco mais de R$ 2,3 mil mensais, ao passo que a massa salarial deve continuar crescendo.
Os números efetivos serão divulgados às 9h. No mesmo horário, sai o índice de preços ao produtor (IPP) em dezembro, sinalizando os custos no atacado, antes de impostos e fretes. Depois, às 9h30, é a vez da nota do Banco Central sobre política fiscal, com os dados consolidados do setor público no mês passado.
Lá fora, merecem atenção os dados sobre renda pessoal e os gastos com consumo nos EUA em dezembro (10h30), além do índice de preços PCE. Também serão conhecidos os índices sobre a atividade industrial na região de Chicago (11h45) e sobre a confiança do consumidor norte-americano (12h), ambos referentes ao mês de janeiro.
Logo cedo, na zona do euro saem as leituras preliminares sobre os preços ao consumidor (CPI) neste mês e sobre o Produto Interno Bruto (PIB) no quarto trimestre de 2019.