Agenda cheia traz tensão
Índices de preços ao consumidor (CPI) e ao produtor (PPI) na China abrem o dia de agenda carregada no Brasil, que deve agitar os mercados domésticos. A ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom) e o desempenho do setor de serviços já sob impacto da quarentena serão conhecidos logo cedo.
Mas as atenções dos investidores estarão no vídeo da reunião ministerial de 22 abril, citada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova de tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. A gravação será apresentada a um grupo restrito de autoridades também pela manhã. À tarde, três ministros militares depõem sobre o caso.
Esses eventos e indicadores tendem a manter a cautela nos negócios locais, sendo que o sinal negativo vindo do exterior deve redobrar a postura defensiva por aqui. Lá fora, o aumento das infecções por Covid-19 coloca em dúvida a recuperação pós-coronavírus, testando o otimismo dos mercados com a reabertura das principais economias globais.
Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram com leves baixas, após uma sessão mista ontem, mostrando fôlego curto para esticar o rali visto na semana passada. As principais bolsas europeias amanheceram sem uma direção única, contaminada também pelas perdas na Ásia, com Hong Kong (-1,4%) liderando o movimento.
Por lá, os investidores estão mais receosos com uma segunda onda de contágio do coronavírus, o que ofusca as esperanças em relação à retomada das atividades. A deflação no atacado chinês, sinalizada pelo PPI, mostra que os produtores continuam sofrendo os choques da pandemia na demanda interna e externa.
O índice registrou a maior queda em quatro anos, ao cair 3,1% em abril em relação a um ano antes, acelerando a trajetória de baixa, após ceder 1,5% em março. A previsão era de recuo menor, de -2,5%. Já a inflação no varejo perdeu força e desacelerou a 3,3% no mês passado, em base anual, de +4,3% no mês anterior.
Nos demais mercados, o petróleo avança, mas tanto o barril do tipo WTI quanto do Brent são cotados abaixo da faixa de US$ 30. Já o dólar perde terreno para as moedas rivais e o juro projetado pelos títulos norte-americanos (Treasuries) está de lado.
Excesso de confiança
De um modo geral, os investidores olham para os danos causados na economia pela medidas de combate à disseminação do coronavírus e confiam em uma recuperação rápida do consumo e das empresas, como se o ambiente de crescimento fosse resgatado. Mas o cenário à frente traz dúvidas em relação a essa postura tão confortável.
Até porque a simples reabertura das maiores economias globais já está embutida nos preços dos ativos de risco, o que deixa os mercados sem novos catalisadores (drivers) para os próximos dias. Ao mesmo tempo, os mais céticos avaliam que não estão precificados os riscos, em meio à retirada das medidas para combater a pandemia.
Afinal, as incertezas em relação à retomada econômica não serão dissipadas rapidamente, pois ainda não se sabe a duração da propagação do vírus no mundo nem a profundidade do impacto dessa calamidade na atividade. O temor de um novo surto da doença antes do fim do ano põe em xeque uma retomada acelerada, sob o formato em “V”.
Ainda assim, os investidores argumentam que os esforços do Federal Reserve para injetar liquidez no mercado financeiro, garantindo o bom funcionamento dos negócios globais, e o aumento dos gastos do governo, notadamente da Casa Branca, de modo a amortecer os impactos econômicos da pandemia, alimentam esperanças de que o pior já ficou para trás.
De qualquer forma, enquanto o mundo organiza a reabertura de suas economias, o Brasil ainda não conseguiu organizar nem o fechamento (lockdown). E isso explica a dificuldade de o Ibovespa conseguir firmar-se nos 80 mil pontos e a escalada do dólar rumo a novos topos históricos.
Ontem, a moeda norte-americana só não começou a semana em nível recorde porque o Banco Central resolveu atuar nos minutos finais do pregão. Como resultado, o dólar fechou levemente acima de R$ 5,80, o que pressionou a ponta longa do mercado de juros futuros. Hoje, a agenda econômica tende a agitar os negócios locais.
Dia de agenda cheia
Logo cedo (8h), será publicada a ata da reunião do Copom na semana passada, quando surpreendeu o mercado doméstico em três frentes: ao cortar a Selic acima do esperado, em 0,75 ponto; ao sinalizar um corte de até igual magnitude no próximo encontro, em junho; e também ao apresentar um debate entre os membros do Comitê de uma queda maior do juro básico neste mês. Assim, os riscos envolvendo o dólar e o quadro fiscal foram relegados.
Ao levar a Selic para 3% agora e indicar que o Brasil terá juro real (taxa nominal descontada a inflação projetada) negativo em breve, o Banco Central reconheceu que os efeitos decorrentes da pandemia impõem um cenário bastante desafiador, tanto em termos globais quanto para a atividade doméstica. E isso pode fazer com que a taxa terminal da Selic seja ainda mais baixa que os 2,25% sinalizados pela autoridade monetária para junho.
Tendo este pano de fundo, os investidores recebem os números do setor de serviços em março, que deve ter sido duramente castigado pelas medidas de isolamento social adotadas nas principais cidades do país no fim daquele mês. O resultado do setor irá ajudar a calibrar as estimativas para os dados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no três primeiros meses de 2020.
Os números serão conhecidos às 9h, juntamente com mais um levantamento atualizado sobre a safra brasileira de grãos. O desempenho do setor agrícola também é importante para mensurar eventuais pressões inflacionárias sobre os alimentos, uma vez que questões sobre oferta e demanda por alimentos na quarentena são relevantes. Antes, também às 8h, sai a primeira prévia deste mês do IGP-M.
Já no exterior, o calendário econômico traz como destaque o índice de preços ao consumidor (CPI) norte-americano em abril (9h30). À tarde, sai o Orçamento do Tesouro dos EUA também no mês passado (15h).