O mercado que se adapte
Os bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos voltam à cena hoje, em dia de divulgação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) e de mais um discurso do presidente do Fed, Jerome Powell. Mas as expectativas para esses dois eventos são baixas, após ambas as autoridades terem indicado que a ação de política monetária chegou ao limite. E, agora, “o mercado financeiro que se adapte”, como disse certa vez um ex-diretor do BCB.
Tal dinâmica sugere uma postura mais defensiva dos investidores, que estavam ávidos por estímulos adicionais para aumentar o apetite por risco, mas que agora mostram um fôlego mais curto para ampliar o rali dos últimos cinco meses e manter o pique recente. Ao mesmo tempo, cresce a busca por proteção. Esse comportamento explica a dificuldade do Ibovespa de reaver a faixa dos 100 mil pontos e o salto do dólar de R$ 5,50 para perto de R$ 5,60.
Ainda assim, sabe-se que correções mais fortes nos preços dos ativos, por ora, ficam adiadas, pois a liquidez sem precedentes jorrada pelos principais bancos centrais não foi drenada - e, aliás, será mantida por um bom tempo. Tampouco há qualquer sinal de mudança de cenário ou reversão de tendência. O problema é que sem um novo impulso (fiscal ou monetário), o mercado não consegue, sozinho, ir para frente.
O que se percebe, então, é uma adaptação do mercado ao ritmo da economia real, que parece não concretizar as expectativas de crescimento dos investidores. Nesse ambiente, a dinâmica dos ativos tende a ficar altamente volátil e sujeita a movimentos abruptos, com os preços ajustando-se aos sinais da recuperação, após o oba-oba fora de compasso visto nos últimos meses. Ao mesmo tempo, surge espaço para certas barganhas.
E como já dito aqui, a retomada da economia tem reforçado os sinais de que será errática e heterogênea, entre os diferentes setores e países. Ou seja, após a queda abrupta da atividade, seguida de uma melhora rápida e acelerada, o mundo caminha agora para uma divisão acentuada entre vencedores e perdedores. Portanto, os investidores devem se preparar para essa nova etapa do ciclo econômico em tempos de pandemia.
Aliás, crescem os temores de uma segunda onda de contágio de covid-19, à medida que o inverno no Hemisfério Norte se aproxima e o número de novos casos da doença na Europa retrocede aos níveis vistos no início deste ano, quando o coronavírus chegou à região. A preocupação é de que medidas restritivas sejam novamente adotadas, provocando mais um baque na economia de alguns países, que já dá sinais de perda de tração.
Exterior sem estímulo
Diante disso, as bolsas europeias amanheceram no vermelho, contaminadas pelo sinal negativo vindo dos índices futuros em Nova York, após uma sessão de perdas de mais de 1% na Ásia. Os investidores parecem ter desistido da ideia de que o Congresso dos EUA irá fornecer um novo pacote fiscal a apenas seis semanas das eleições presidenciais e se mostram mais preocupados com a recente alta de casos de covid-19.
Contudo, não se percebe uma fuga desenfreada por segurança, com o dólar fazendo uma pausa no avanço recente, após alcançar o maior nível em quase dois meses em relação às moedas rivais. O rendimento (yield) dos títulos norte-americanos de 10 anos (T-note) oscila ao redor de 0,66%, enquanto o ouro perde vigor e é negociado na faixa de US$ 1.855 por onça-troy. O barril do petróleo também está abaixo de US$40.
RTI e Powell em destaque
A agenda econômica do dia começa cedo, às 8h, quando o BC publica o relatório de inflação referente ao terceiro trimestre deste ano. Por ser conhecido poucos dias após a divulgação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o documento de hoje deve trazer poucas novidades. Com isso, as atenções se voltam para a coletiva de imprensa do presidente do BC, Roberto Campos Neto, e do diretor Fabio Kanczuk (11h).
De um modo geral, a autoridade monetária deve reforçar a utilização da prescrição futura (forward guidance) como seu principal instrumento para salvaguardar o compromisso de manter a Selic baixa por um longo período, monitorando a inflação. Mas a eficácia dessa ferramenta vai depender de maior previsibilidade das contas públicas, em um momento em que a retirada dos estímulos emergenciais pode agravar a recuperação econômica.
O calendário doméstico traz ainda a confiança do comércio neste mês (8h). Já nos EUA, as atenções se dividem entre os dados econômicos e mais um depoimento do presidente do Fed no Congresso, desta vez, no Senado. Ontem, Powell reforçou o discurso da véspera, ambos na Câmara, enfatizando que segue empenhado em recorrer às ferramentas de política monetária disponíveis pelo tempo que for necessário.
Contudo, ele reiterou a necessidade de estímulos fiscais adicionais por parte do governo dos EUA para sustentar a economia norte-americana, uma vez que a recuperação deve levar mais tempo que o estimado. Ainda assim, Powell reconheceu que o Fed fez praticamente tudo o que podia para dar apoio à atividade. O depoimento dele no Senado tem início às 11h.
O secretário do Tesouro norte-americano, Steven Mnuchin, também irá depor aos senadores. Ainda no mesmo horário, saem as vendas de imóveis residenciais novos nos EUA em agosto. Antes, às 9h30, saem os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no país, que devem seguir abaixo de 1 milhão de solicitações.