Vaivém do vírus (e do mercado)
O ressurgimento de casos de coronavírus nos Estados Unidos, com cerca de 30 estados mostrando aumento de infecções, e uma primeira onda estendida de contágio de Covid-19 em alguns países emergentes acenderam o sinal de alerta no mercado financeiro. O temor dos investidores é que esses lugares em que houve retomada da atividade voltem a fechar, dando um segundo golpe na economia, que já deve cair mais que o esperado neste ano.
As previsões mais sombrias do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia global divulgadas ontem, apontando uma queda maior que o estimado neste ano e uma recuperação mais tímida no ano que vem, colocaram em xeque o cenário traçado pelo mercado financeiro, de retomada rápida e acentuada, sob a forma de “V”. Segundo o FMI, o tombo do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2020 passou de -3,0% para -4,9%.
Ironicamente, a China, onde foi identificado o primeiro surto de coronavírus, é a única grande economia que ainda deve registrar crescimento em 2020, de 1%, o que mostra a força do modelo econômico do país. Para os EUA, o FMI piorou a previsão de queda do PIB neste ano para -8%, de -5,9% estimados em abril. No Brasil, o tombo da economia também deve ser maior, de -9,1%, ante recessão de -5,3% prevista anteriormente.
Combinados, esses fatores minam o otimismo do mercado financeiro, que estava em modo rali desde abril, e ainda pesam no exterior nesta manhã. Um dia após registrar o pior dia em duas semanas, os índices futuros das bolsas de Nova York apontam para mais uma sessão de perdas aceleradas, caindo mais de 1%, após os novos casos de Covid-19 nos EUA subir ao nível mais alto em dois meses.
Na Europa, porém, a pressão vendedora não é tão forte, mas as principais praças abriram no vermelho. Já na Ásia, as comemorações do Festival do Barco do Dragão (端午节) na China manteve as bolsas de Hong Kong e de Xangai fechadas, esvaziando o pregão na região. Ainda assim, Tóquio caiu pouco mais de 1% e Seul teve queda de mais de 2%, enquanto na Oceania, a Bolsa de Sydney recuou 2,6%.
Assim, os investidores reduzem suas posições no mercado de ações, o que provoca uma busca por segurança em ativos seguros. O dólar continua ganhando terreno em relação às moedas rivais, mas o iene também se fortalece. O juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos (T-note) segue abaixo de 0,7%, ao passo que o ouro avança. O petróleo, por sua vez, cai mais de 2%.
Vírus político
E o noticiário político continua no radar. Nos EUA, a pandemia de coronavírus pode ameaçar a tentativa de reeleição do presidente Donald Trump. A decepção com a retomada da campanha do republicano durante comício em Tulsa (Oklahoma) no fim de semana realçou as críticas à Casa Branca no combate à Covid-19, com a posição de liderança do país no número de casos e de óbitos abalando a confiança de parte da população.
Afinal, os cidadãos dos EUA estão acostumados em ver a América como epicentro do poder global, e não de uma doença. E à medida que as eleições presidenciais se aproximam, chama atenção o fato de o aumento de casos de coronavírus nos EUA estar concentrado entre os chamados swing states (35%), onde nenhum candidato possui maioria absoluta nas intenções de voto, e os estados de maioria democrata (45%).
Aqui no Brasil, três meses após a chegada da Covid-19, governo e Congresso começam a articular uma agenda de pós-pandemia, ainda que não haja uma tendência consistente de queda nos números de novos casos diários ou de óbitos. O mais relevante parece ser entender se o sistema de saúde seguirá capaz de atender aqueles que necessitam de internação. Aí, então, abre-se espaço para a retomada de velhas pautas - e novos temas.
Parte da agenda já é conhecida, mas ainda não avançou no Congresso, como a aprovação do projeto de autonomia do Banco Central. A proposta do chamado programa de emprego “Verde e Amarelo”, que visa reduzir os custos da folha de pagamento para elevar o emprego, deve ser reintroduzida. Mas há também duas iniciativas novas: o programa “Renda Brasil”, que substituiria o Bolsa Família, e uma meta formal para a dívida pública.
A aprovação ontem no Senado do novo marco regulatório do saneamento básico também faz parte dessa agenda pós-pandemia. O texto foi aprovado por 65 votos a favor e 13 contra, seguindo agora para sanção presidencial. A medida estimula a participação da iniciativa privada no setor e vai na contramão de uma tendência global crescente, de devolver à gestão pública o tratamento e fornecimento de água e esgoto.
Mas a ideia da equipe econômica do ministro Paulo Guedes é sinalizar ao mercado financeiro que o governo segue empenhado com a agenda de reformas e o ajuste fiscal, apesar dos gastos extraordinários por causa da pandemia. Com isso, o governo continua sinalizando aos investidores o compromisso com uma política econômica ortodoxa, ainda que tais medidas procíclicas possam agravar a situação econômica do país.
Dia de agenda cheia
A agenda econômica desta quinta-feira está carregada de indicadores e eventos relevantes. Por aqui, as divulgações começam cedo, às 8h, quando o Banco Central volta à cena para divulgar o Relatório Trimestral de Inflação (RTI). Apesar de a publicação do documento coincidir com a semana de divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), o material de hoje pode trazer algum detalhamento sobre o cenário à frente.
Além disso, também merece atenção a coletiva de imprensa que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, concede a partir das 11h. Também por aqui, merece atenção a prévia deste mês do índice de preços ao consumidor (IPCA-15), que deve seguir em campo negativo, apontando deflação no varejo brasileiro pelo terceiro mês seguido. Porém, o indicador deve rondar próximo a zero, após ter registrado uma queda histórica em maio.
Já a taxa acumulada em 12 meses deve seguir abaixo de 2%, permanecendo aquém do piso do intervalo de tolerância perseguido pelo BC para este ano, de 2,50%. No exterior, o calendário também começa cedo, às 7h30, quando o Banco Central Europeu (BCE) publica a ata da reunião deste mês. Na ocasião, a BC da zona do euro ampliou os estímulos monetários, pulverizando mais liquidez ao mercado financeiro.
Do outro lado do Atlântico Norte, merecem atenção a terceira e última leitura do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA nos três primeiros meses deste ano, às 9h30. A segunda prévia trouxe queda anualizada de 5,0%. No mesmo horário, saem os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no país e as encomendas de bens duráveis, que devem ajudar na calibragem do ritmo da recuperação do mercado de trabalho e da atividade no país.