Governo tenta cobrir o rombo
As dúvidas envolvendo a fragilidade das contas públicas no Brasil devem continuar permeando os mercados domésticos hoje, já que o presidente Michel Temer revolveu adiar, provavelmente para segunda-feira, o anúncio da revisão da meta fiscal. A intenção era divulgar ontem um novo número para o rombo nos cofres do governo, mas diante do alarde da equipe econômica, a decisão ficou para a semana que vem.
Temer quis bater o martelo antes do fim de semana, diante da pressão do núcleo político, mas os ministérios da Fazenda e do Planejamento alertaram que, se fosse para simplesmente acomodar a meta, sem aumentar impostos nem cortar gastos, o déficit deste ano poderia chegar a R$ 200 bilhões (!). Para tentar fechar as contas, sem estourar o máximo aceitável, de R$ 20 bilhões, o melhor, então, foi adiar o anúncio.
Afinal, como bem explicou o ministro Meirelles (Fazenda), só há três meios de ajustar o rombo: cortar gastos, elevar os tributos ou assumir um déficit fiscal maior. De todas, a primeira opção é a menos viável, pois pode simplesmente paralisar a máquina pública e encontra uma grande barreira nas despesas obrigatórias.
A última está em vias de ser anunciada e a segunda segue na mesa de apostas, pois as dificuldades do governo em tapar o buraco das contas públicas ainda podem resultar em mais impostos. No leque de opções, estão tributos que não causam tanto alarde na sociedade, tal qual uma nova alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
As medidas em estudo vão desde tributação de lucros e dividendos e de fundos de investimento imobiliário e agrícola (LCI e LCA), tendo como alvo o mercado financeiro, até o fim da isenção a investidores estrangeiros (IOF) e de benefícios fiscais a exportadores, visando tirar proveito dos superávits recordes da balança comercial.
Enquanto o governo não define qual tributo aumentar, o ministro Dyogo Oliveira (Planejamento) propôs um déficit primário maior, de R$ 159 bilhões, tanto para 2017 quanto para 2018. Ou seja, não haverá melhora na trajetória das contas públicas, mas ao menos o rombo não irá piorar, dando a ideia de que está sendo administrado. De qualquer forma, o importante é que a meta do ano que vem não será maior que a deste ano.
A questão é que com o Congresso não ajudando como deveria e só aprovando medidas que interessam à própria classe política - como foi a criação de um fundo público para financiar a campanha eleitoral de 2018 ou ainda negociado cargos e emendas em troca de apoio, a equipe econômica ficou sem ter para onde correr. Para o núcleo político, deveria ser anunciado um rombo bem grande, de modo a comportar o aumento de peso do Estado.
O tema deve, portanto, seguir no radar dos negócios locais, com os investidores adotando cada vez mais uma postura defensiva, à espera do anúncio oficial. Ontem, o dólar voltou a subir de forma expressiva, pela segunda vez nesta semana, superando a faixa de R$ 3,15 e ficando no maior nível desde meados de julho. Os ruídos em torno da situação fiscal do Brasil e a maior aversão no exterior definiram o movimento, que pode continuar hoje, assim como na Bovespa, que ontem caiu 1%.
Ainda mais diante de uma agenda econômica esvaziada, o que abre espaço para os investidores se debruçarem sobre os balanços de empresas de peso divulgados ontem à noite. O grande destaque é a Petrobras, que decepcionou.
O lucro da estatal petrolífera desabou 93% no segundo trimestre deste ano em relação aos três primeiros meses de 2017, para R$ 316 milhões. Na comparação com igual período de 2016, a queda foi de quase 15%. A adesão ao programa do governo para regularizar dívidas tributárias (Refis) e a queda das vendas de combustíveis no mercado interno atrapalharam, bem como o preço do petróleo no mercado internacional.
Hoje, merecem destaque os demonstrativos contábeis da empresa de energia elétrica Cesp e da controladora da bolsa B3, após o fechamento do pregão local. No exterior, o calendário do dia traz apenas a inflação ao consumidor norte-americano (CPI) em julho (9h30). O dado deve calibrar as apostas quanto a uma terceira alta na taxa de juros nos Estados Unidos neste ano - provavelmente em dezembro.
O ambiente internacional continua mais avesso ao risco, em meio à retórica do entre os líderes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte, que dispara uma busca por proteção em ativos seguros. O ouro e o iene continuam sendo os principais alvos, ao passo que as bolsas sofrem uma forte onda vendedora. O índice europeu Stoxx 600 caiu ao nível mais baixo em cinco meses, com todas as praças da região no vermelho.
Os índices futuros das bolsas de Nova York também estão em queda, após uma sessão de perdas na Ásia. Nas commodities, o petróleo caminha para a segunda semana seguida de queda, com a escalada da tensão geopolítica dominando o sentimento nos negócios em meio às ameaças de confronto militar. A recomendação é de que talvez seja um bom momento para reduzir a exposição ao risco nos portfólios.