Crise política por um fio
A ausência de trégua na crise política leva os mercados domésticos ao modo pânico, diante do confronto aberto entre os poderes Legislativo e Judiciário e da assinatura do acordo de leniência da Odebrecht. A instabilidade em Brasília tem afugentado os investidores estrangeiros dos ativos locais, diante do momento difícil que o presidente Michel Temer enfrenta, com riscos crescentes de o governo dele não chegar até o fim.
As manifestações convocadas para este domingo, em atos contra a corrupção, serão importantes para medir as chances que o presidente tem de terminar o governo - ou mesmo de dar continuidade às medidas do ajuste fiscal. Temer pretende enviar a Reforma da Previdência ao Congresso já na próxima semana, alegando que a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto dos gastos não é suficiente.
Mas ele vive um paradoxo difícil de solucionar. Se optar por apoiar o embate no Congresso, pode sofrer um desgaste ainda maior junto à opinião pública; se resolver distanciar-se dos projetos polêmicos dos parlamentares, corre o risco de não conseguir aprovar as reformas fiscais. Nessa situação em que todos precisam estar unidos, há uma ameaça de afundarem juntos.
Com o governo Temer abalado por episódios recentes - que começou com o Jucá, depois pegou o Geddel e está perto do Renan - aquela ideia de que os ruídos políticos são indiferentes desde que as reformas continuem avançando passou a ser questionável. Ainda mais depois que a população resolveu abraçar a luta contra a corrupção e vê nas manobras a criação de leis para os políticos se autoprotegerem das investigações.
Esse movimento entre os parlamentares acontece em meio à assinatura daquele que promete ser a "delação do fim do mundo". A Odebrecht assinou ontem o acordo de leniência de 77 executivos da empreiteira com os procuradores da Operação Lava Jato e se comprometeu a pagar uma multa de R$ 6,7 bilhões em 20 anos.
É bom lembrar que aquela planilha da Odebrecht listava o nome de mais de 200 políticos e os valores repassados a cada um deles por meio de caixa 2. Até agora, já se sabe que a empreiteira delatou os nomes de Temer e Jucá, além dos tucanos José Serra e Aécio Neves. As revelações dos executivos da Odebrecht prometem implodir o mundo político — e até o juiz Sergio Moro já fez votos de que “o Brasil sobreviva”.
Cientes desse turbilhão que está por vir, os “gringos” promoveram uma debandada dos ativos brasileiros ontem, o que levou o dólar ao maior nível desde 15 de junho e derrubou a Bovespa para abaixo dos 60 mil pontos. E esse movimento pode até continuar hoje, a depender da reação dos mercados internacionais para o que apontar os dados sobre o mercado de trabalho nos Estados Unidos em novembro.
A previsão para o chamado payroll é de criação de 160 mil vagas de emprego, com a taxa de desemprego seguindo em 4,9%. Os números oficiais serão divulgados às 11h30 e tendem a pavimentar o caminho para um aumento da taxa de juros norte-americana neste mês.
Porém, o aperto monetário pelo Federal Reserve em dezembro - o segundo em um ano - já está consolidado. Assim, as atenções se voltam para as pistas sobre o processo de normalização monetária ao longo de 2017. A dúvida é saber se a próxima alta irá demorar mais 12 meses, em meio a uma política de expansão dos gastos públicos por parte do presidente eleito no país, Donald Trump, o que tende a acelerar a inflação nos EUA.
Assim, as apostas dos investidores em um êxito na gestão de Trump podem parecer equivocadas e as preocupações com a perspectiva para a economia norte-americana redobram a cautela nos mercados internacionais. Os índices futuros das bolsas de Nova York estão em queda, penalizados também pelo recuo do petróleo, embora o barril do tipo WTI siga cotado na faixa de US$ 50.
As incertezas em relação à estabilidade na Europa, às vésperas do referendo na Itália, também pesam nos negócios. A possibilidade de redução do poder do Senado italiano afeta o sentimento de risco, uma vez que pode resultar na queda do governo do país.
Na Ásia, o sinal negativo também prevaleceu, sendo que as perdas das ações de empresas de tecnologia lideraram a queda nas bolsas de Tóquio e Seul. Nas moedas, o dólar perde terreno ante o euro e o iene, mas mede forças em relação às moedas emergentes, com os investidores reavaliando o apoio à reestruturação econômica prometida por Trump.
No fim, são as incertezas no front político, no Brasil e no exterior, que estão deixando os mercados financeiros esgotados.