Comentário: Mais crescimento, menos guerra
A China vem assustando os investidores neste ano, à medida que se intensificam os esforços de Pequim rumo a um “novo normal” da economia, com taxas de crescimento menos elevadas, porém mais estáveis. Após o temor com um estouro da bolha em Xangai, agora o receio vem do câmbio - e as possíveis novas intervenções por parte do Partido Comunista. O fato é que os ativos chineses também estão se adaptando às mudanças promovidas pelo governo, com o papel do mercado ganhando força na formação de preços - e, também, no aumento da volatilidade.
A decisão do Banco Central chinês (PBoC) em promover a maior desvalorização diária de sua moeda local (renminbi, ou “moeda do povo” em mandarim) em mais de duas décadas reacendeu o tema da “guerra cambial” – termo criado por um ex-ministro brasileiro, o mais longevo na Pasta da Fazenda, no auge da crise do subprime. Porém, em editorial publicado na agência estatal Xinhua, ontem, a China tratou de explicar ao mundo que não está travando guerra alguma – mas sim fazendo um “ajuste de discrepâncias”.
É importante lembrar, inicialmente, que por ser um câmbio controlado, o renminbi chinês não acompanhou a recente valorização global do dólar, em meio às apostas crescentes de que a primeira alta dos juros norte-americanos desde 2006 será adotada pelo Federal Reserve ainda neste ano. Portanto, o chamado yuan (o mesmo que qualquer “dinheiro” em mandarim) estava bem mais apreciado que várias outras moedas – sobretudo em relação aos pares emergentes e correlacionados às commodities.
Dessa forma, a mudança é motivada principalmente por questões estruturais, ainda na direção de internacionalizar o yuan - o que implica aumentar a volatilidade e responder às oscilações de uma cesta de moedas, e não apenas ao dólar. Porém, após os dados fracos de julho da balança comercial chinesa, o mercado financeiro convenceu-se de que a medida adotada pelo PBoC é mais voltada para alavancar as exportações do que qualquer outra coisa – obviamente, apenas a partir do médio prazo.
Os indicadores do mês passado sobre a produção industrial chinesa ratificaram essa premissa do mercado e, de quebra, elevaram o temor de que os ajustes na segunda maior economia do mundo estariam gerando um hard landing - ao invés de um pouso mais suave. Assim, o mercado estaria interpretando esse movimento no câmbio como mais uma tentativa de estabilizar o crescimento.
De fato, a indústria chinesa perde cada vez mais tração à medida que ganha corpo a transição da economia, da atividade industrial pesada para o consumo doméstico. Tanto que as vendas do comércio varejista chinês mantiveram o ritmo de alta, na passagem de junho para julho, com expansão em torno de 10,5%.
Sabe-se que por uma questão cultural, os asiáticos, em geral, têm mais hábito de poupar do que de consumir – talvez por causa do histórico de anos de guerra e fome em vários desses países. Então, enquanto esse comportamento, sozinho, não é capaz de adequar o novo modelo econômico chinês, é necessário, de fato, buscar outras rotas de crescimento, aliviando as pressões baixistas.
Afinal, a sustentação da moeda chinesa na faixa de US$ 6 também vinha afetado o comportamento do índice de preços, afugentando o consumidor diante do poder de compra da moeda e das pressões inflacionárias. Daí, então, vem a percepção de que a China quer alavancar as vendas para o resto do mundo.
A questão é que, diante dos sinais de desaceleração econômica global, quem irá comprar os produtos chineses?
Os mesmos dados da balança comercial chinesa mostram que, no acumulado dos setes primeiros meses de 2015, as exportações da China para a União Europeia (UE) caíram 2,5%. Os desembarques de produtos chineses no Japão tombaram 10,5%. Um feixe luminoso das exportações aparece apenas nos Estados Unidos, onde as exportações chinesas se expandiram em 9,3% entre janeiro e julho deste ano.
Aí parece estar, então, o X da questão. Ciente de que a o ciclo de alta dos Fed Funds está cada vez mais próximo, o que tende a fortalecer o dólar globalmente, a China tratou de desvalorizar sua moeda para um de seus principais clientes, visando ampliar o market share. E, enquanto maiores detentores de títulos norte-americanos no mundo (além das enormes reservas internacionais), o gigante emergente está, na verdade, tentando se proteger.
“Os bancos centrais que controlam moedas flutuantes, como o dólar, o euro ou iene, têm mostrado ao mundo o que eles podem fazer com suas taxas de câmbio”, afirmou a Xinhua, ainda no editorial. “Assim, com US$ 3,65 trilhões em reservas cambiais, o Banco Central chinês não será menos competente”, emendou a agência estatal.