Liquidez transborda o mercado
O Banco Central Europeu (BCE) pulverizou mais liquidez ao mercado financeiro, que já vinha sendo irrigado pelo Federal Reserve, e essa injeção de recursos transborda, vazando para os ativos de maior risco - inclusive do Brasil. A emissão monetária irrestrita, que já parece ser insuficiente, somada aos estímulos fiscais dos governos resgatam o rali entre ações e moedas, como o Ibovespa e o real, que devem ter uma semana de fortes ganhos.
Enquanto isso, na economia real, os Estados Unidos devem ter eliminado cerca de 10 milhões de postos de trabalho em maio, depois de ter fechado mais de 20 milhões de vagas no mês anterior, com a taxa de desemprego subindo de 15% para perto de 20%, no período. Já o ganho médio por hora deve desacelerar, pois com a ampla oferta de mão de obra o dinheiro a mais disponibilizado pelos bancos centrais não gera pressão inflacionária.
Os números do relatório oficial (payroll) são o grande destaque da agenda econômica do dia e serão conhecidos às 9h30, mas já sinalizam que a situação do desemprego nos EUA estão migrando de um cenário terrível, que não se poderia nem descrever, para algo como o pior da era desde a Grande Depressão - portanto, superando a crise de 2008. Alheio a esses dados, os mercados internacionais olham para frente e retomam o rali.
Os investidores comemoram as mais recentes medidas de estímulo para ajudar a economia global e mantêm o otimismo em relação à recuperação da atividade em um cenário pós-pandemia. Os índices futuros das bolsas de Nova York têm alta acelerada, ao redor de 1%, em meio a relatos de que o governo Trump deve lançar novos estímulos, em até US$ 1 trilhão, para combater os impactos econômicos do coronavírus.
Na Europa, as principais bolsas da região sobem mais de 2%, ao passo que o euro avança pelo nono dia seguido, reagindo a medidas de ajuda fiscal e monetária em valores acima do esperado lançadas pelo governo alemão e pelo BCE, respectivamente, nesta semana. Com isso, os investidores relegam a previsão sobre o tamanho do tombo real da economia da região da moeda única neste ano, que deve ser de queda de 8,5% devido à pandemia.
Na Ásia, a sessão também foi de ganhos, com os investidores atraídos pelo dinheiro jorrado para estimular a economia global. Nos demais mercados, o petróleo caminha para a sexta semana seguida de alta, embalado pela tentativa de acordo dos maiores produtores e exportadores (Opep+) para estender os cortes de produção. O ouro recua, enquanto o juro projetado pelos títulos dos EUA (Treasuries) avança.
Rio corre para o mar
Assim, após uma breve pausa no rali ontem, os investidores retomam o otimismo, apostando em uma economia global inundada de estímulos. Os sinais de alívio da pandemia em alguns países também alimentam esse apetite por risco, embora o coronavírus continue a se espalhar, somando cerca de 100 mil casos por dia. Portanto, há muitos riscos no horizonte, entre eles, a possibilidade de uma segunda onda de contágio.
Alheio a isso, Wall Street está nos maiores níveis desde março e o Ibovespa já vislumbra a marca dos 100 mil pontos, enquanto o dólar ensaia um ponto de equilíbrio na faixa de R$ 5,10, já que a Selic pode cair abaixo de 2% no curto prazo. Ainda assim, o mercado financeiro está retrocedendo ao período antes da pandemia de coronavírus atingir em cheio os ativos de risco, que agem, agora, como se nada tivesse acontecido.
Tal hipótese é tão difícil de ser comprovada, pois não há nenhum consenso de que a recuperação pós-pandemia se dará em “V” e será capitaneada por países desenvolvidos. Nem mesmo a premissa de que haverá uma volta à normalidade anterior à disseminação de Covid-19 no mundo é aceita como verdade inequívoca, pois existe um legado da quarentena tanto para o consumo (e hábitos sociais) quanto para a atividade.
Apesar disso, os estímulos monetário e fiscal têm sido mais poderosos, sustentando os mercados globais. Essa ampla liquidez inibe qualquer movimento maior de correção nos preços dos ativos de risco, distorcendo a percepção de realidade no curto prazo. A preocupação fica em relação à consistência deste movimento em horizontes mais largos, ainda mais se a recuperação econômica for lenta e funda, com rupturas no tecido social.
Mais agenda
A agenda econômica desta sexta-feira traz também o resultado de maio do IGP-DI (8h), que deve ganhar força e subir 0,5% em relação a abril, com a taxa acumulada em 12 meses indo a 6,3% até o mês passado. Já nos EUA, também serão conhecidos os dados sobre o crédito ao consumidor em abril (15h).